Política Nacional de Resíduos Sólidos levará empresas a tratarem sustentabilidade seriamente e não somente como elemento de marketing.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, iniciativa do Ministério do Meio Ambiente, pode transformar a política de sustentabilidade das empresas de tecnologia do País. O projeto de lei, que tramita no Senado Federal, obriga o gerador do resíduo a dar a destinação final adequada, com critérios ambientalmente corretos.
A nova legislação nacional também deve limpar o mercado brasileiro do “marketing verde de fachada”, mais conhecido como “greenwash”, alerta o diretor de operações da HP para o Mercosul, Kami Saidi , que é responsável pela sustentabilidade ambiental da companhia. “Há empresas que vendem a ideia de sustentabilidade, mas não aplicam os processos corretos”, critica.
Na visão de Saidi, com as novas regras do governo, a separação entre o marketing e a prática sustentável deve ficar mais visível ao consumidor. “O fato de você plantar uma árvore para cada produto vendido não é sustentável. Você pode estar fazendo bem à natureza, mas tem de contar ao cliente o que está fazendo com o seu produto”.
O Greenpeace está na cola das empresas que não cumprem metas de redução de componentes tóxicos em seus equipamentos. Além de divulgar seu “ranking verde” atualizado, a organização não-governamental chega a cobrar pessoalmente que as empresas sigam suas metas.
Com uma regulamentação, observam os especialistas, o grande ativista do mercado brasileiro será o consumidor. Além de questionar o destino ambiental da próxima máquina que adquirir para sua casa ou empresa, também será responsável pelo descarte adequado de seus eletrônicos.
O gerente de sustentabilidade da Itautec, João Carlos Redondo, acrescenta que grande parte dos clientes já tem colocado características ambientais entre as exigências para a aquisição de novos produtos, entrando em conformidade com características ambientais internacionais. “E não custa mais caro”, garante o executivo. O ciclo sustentável ideal, segundo ele, não deve afetar o bolso do cliente.
Campanhas de incentivo junto ao consumidor são fundamentais para que o ciclo de reciclagem ganhe força no Brasil, afirma o diretor de diretor de pós-venda da Nokia do Brasil, Luiz Xavier. “Hoje, apenas 3% dos aparelhos são destinados pelo consumidor para reciclagem. A empresa vai fazer o papel dela, mas o usuário também precisa ter um pouco de conscientização sobre a escolha e o descarte destes produtos”, completa Ricardo, da Umicore. “Um pequeno gesto faz com que a gente faça a coisa certa”, finaliza.
Para o sociólogo e cientista político Sergio Abranches, a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos deve ocorrer a curto prazo e alinhar o Brasil a regulamentações ambientais já existentes há anos em países da Europa e nos Estados Unidos.
Autor do blog Ecopolítica e comentarias da rádio CBN, Abranches lança em agosto um livro com o título provisório de “Depois de Copenhague” (Editora Civilização Brasileira /Record), analisando a situação ambiental do mundo a partir do debate da Conferência de Copenhague, realizado em dezembro de 2009.
Em entrevista à Computerworld, Abranches destaca que as novas regras também vão acabar com a “fachada verde” adotada por muitas empresas apenas como estratégia de marketing. Segundo ele, a adoção de políticas sustentáveis sérias tende a trazer economia, não representar custos, além de atrair o consumidor brasileiro sempre em busca de um diferencial.
Com uma legislação apropriada, o descarte correto de eletroeletrônicos deve transcender estratégias de marketing?
Chegamos ao limite da possibilidade de qualquer empresa fazer “greenwash” porque o consumidor também está mais exigente. Além disso, é impossível termos uma disparidade de regras ambientais em diferentes países – a maior parte das empresas de eletroeletrônicos é transnacional e o consumidor lá fora também cobra uma postura desta empresas.
Há ainda uma parcela considerável de consumidores corporativos que também é pressionada por exigências de mercado e compliance com mecanismos globais. Isso não fica mais da porta para dentro. É preciso fazer cálculos de sustentabilidade e prestar contas ao mercado. Por este motivo, acabou a fase do marketing e passamos para a obrigação. Toda a gestão de uma empresa deve ser sustentável.
O fabricante que reajustar os preços de seus produtos por conta da adequação ao Plano Nacional de Resíduos Sólidos está sendo sustentável?
Há uma especificidade no mercado brasileiro que envolve a cultura da transferência de preço diante de qualquer custo extra que a empresa tenha de absorver. Temos uma tolerância peculiar a preços mais altos neste sentido.Nos setores mais competitivos, a empresa que praticar este reajuste pode perder mercado – assim como ocorre no exterior. Acho que o consumidor não tem de “pagar um prêmio” porque a empresa é sustentável. Este não é um “serviço” que você tem de comprar.
Por outro lado, quando a empresa faz um trabalho realmente sério de redução de pegadas – emissões de carbono, lixo eletrônico e uso de componentes tóxicos em produtos – vai observar ganhos em economia de energia e reaproveitamento de materiais, por exemplo. E mesmo que a empresa passe a usar um material não tóxico, que seja mais caro, o consumo deve ser menor. Na maioria dos casos, a “iniciativa verde” significa redução de custos, quando se trata da visão integral do ciclo de vida do produto.
Qual é a sua opinião sobre políticas de incentivo fiscal para empresas que possuem programas de reciclagem, como créditos em IPI (Imposto sobre produtos industrializados), por exemplo?
A questão é que toda a estrutura de incentivos fiscais no Brasil está errada. Temos incentivos para o uso de combustível fóssil, quando o correto é que eles sejam direcionados a empresas que investem em energia renovável. no Brasil, o incentivo faz sentido em questões fundamentais como esta, mas acabamos gerando uma política do “desconto”.
O consumidor brasileiro já é mais consciente em relação a produtos “verdes”? Ele vai forçar as empresas a adotarem boas práticas de sustentabilidade?
o Brasil tem um comportamento de consumo variável. Assim como nos Estados Unidos, há um processo vertiginoso de renovação de status – um consumidor da classe D no supermercado mira sempre o produto da classe A. É uma sociedade que também está disposta a comprar qualidade, mas tem um orçamento limitado.
Pesquisas indicam que o consumidor com maior renda é mais consciente quanto à escolha de produtos sustentáveis, mas você encontra consumidores das classes C e D que também gostariam de comprar estes produtos. Se o item for mais caro, somente a faixa de alta renda vai optar por ele. Se o preço for o mesmo, os consumidores vão optar pelo “verde” que também é sinônimo de status, sofisticação e distinção na sociedade.
Agora que foi aprovado na Câmara dos Deputados, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) pode ser regulamentado ainda este ano?
Acho que a legislação vai ser aprovada em curto prazo porque não há muito o que contestar. Ela passou agora – após 19 anos em tramitação – porque a maior parte dos setores que oferecia resistência já faz reciclagem. Os bancos, por exemplo, tinham problemas com o descarte de ATMs e hoje o destarte já é auditado pelas empresas. No setor corporativo, a questão dos resíduos sólidos já está incorporada. Só que entramos em fase eleitoral este ano, o que torna o processo lento. Acredito que logo no início da nova legislatura teremos a regulamentação.
Site: Computerworld
Data: 06/05/2010
Hora: 7h10
Seção: Gestão
Autor: Daniela Braun
Link: http://computerworld.uol.com.br/gestao/2010/05/06/legislacao-pode-acabar-com-ti-verde-de-fachada/