Clonagem e falsificação serão minimizadas com a tecnologia. Elas geraram prejuízo de R$ 1,2 bilhão ao comércio e de 283 milhões às instituições financeiras.
Os investimentos em tecnologias e modernização de processos iniciaram em 2008 e os testes consumiram um ano para que no dia 20 de maio deste ano a troca física de cheques (cerca de 90 milhões processados ao mês), prática realizada há 40 anos no modelo de compensação tradicional, fosse substituída pela Compensação Digital por Imagem.
O projeto, que começou a ser desenvolvido em 2009 pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e bancos associados, aposenta a necessidade de transportar os cheques em papel pelos mais diferentes meios como avião, carros-fortes e barcos, manobras altamente dispendiosas.
De acordo com Dario Antônio Ferreira Neto, coordenador do Comitê Gestor de Transporte Compartilhado de Malote (TCM), com base no estudo da malha logística serão eliminadas mil rotas terrestres e 50 de aeronave, sem contar alguns percursos realizados por barcos, que irão totalizar perto de 100 milhões de reais em economia administrativa para os bancos.
Laércio Albino Cezar, vice-presidente executivo do Banco Bradesco, diz que a construção da infraestrutura para atender ao projeto – que inclui 5.900 scanners (para a captura de imagem dos cheques), e software para tratamento de imagem e armazenamento – mobilizou investimentos de cerca de R$ 70 milhões. Em contrapartida, o Bradesco vai economizar perto de R$ 40 milhões ao ano com a eliminação do transporte físico dos cheques.
“Hoje, 60% de nossas agências (do total de 3.666) já estão devidamente equipadas para realizar a captura interna das imagens. As restantes (40%) estão em processo de modernização e por enquanto essa tarefa ainda é repassada às centralizadoras”, diz Cezar, que afirma ter corrido tudo na perfeita ordem na estreia.
A tranquilidade de Cezar está apoiada na experiência adquirida desde 2008, quando o banco passou a disponibilizar imagens de cheques pela internet para a consulta dos clientes (conferência de data e assinatura), por meio da captura de imagem em nível nacional. “Essa operação já é nossa velha conhecida.” Para o vice-presidente executivo do Bradesco, o maior ganho é em produtividade. “Deixaremos de mexer em papel e a velocidade que ganhamos na compensação é impressionante.”
Para os correntistas também. A digitalização vai acelerar a compensação que passará a consumir, no máximo, até dois dias. Cheques com valores acima de 300 reais serão compensados em um único dia e para valores inferiores, em dois dias. Mas essas vantagens somente passarão a vigorar a partir de 20 de julho, de acordo com a Febraban. Em regiões de difícil acesso do País, a compensação acontecerá em até 20 dias úteis.
Nesse novo desenho, o Banco do Brasil tem dupla responsabilidade: é um banco participante e também o “executante” do processo. Nessa última modalidade, ele vira o centro nevrálgico da ação. Não pode falhar. É ele quem recebe todas as imagens dos cheques e os repassa a cada um dos bancos participantes.
Para que tudo funcionasse na mais perfeita ordem na entrada em operação em 20 de maio, o Banco do Brasil (BB) desenvolveu internamente todo um sistema para suportar o volume digital de cheques dos bancos de todo o País. A capacidade de armazenamento teve de ser ampliada para receber o montante de informação (em arquivos padronizados até 35kbytes, em preto e branco) e toda a infraestrura de telecomunicações.
De acordo com o BB, um dos principais investimentos foi o realizado na redundância do sistema para garantir disponibilidade total. O processamento principal acontece em Brasília e o espelhamento no site do Rio de Janeiro.
Redução de fraudes
Mais segurança e menos prejuízo são mais alguns benefícios que a nova tecnologia irá proporcionar. Ao eliminar o transporte físico dos cheques e a ação de pessoas nos trâmites tradicionais da compensação, as fraudes sofrerão queda significativa. “Esperamos forte redução na clonagem e falsificação nos cheques que provocaram prejuízo estimado em 1,2 bilhão de reais para o comércio e de 283 milhões aos bancos”, diz Walter Tadeu de Faria, diretor adjunto de Serviços da Febraban.
O diretor de Relações Institucionais da Febraban, Mário Sérgio Fernandes de Vasconcelos, acrescenta mais a vantagem da sustentabilidade com a entrada em operação da compensação digital. “A previsão é reduzir 15 mil toneladas anuais de emissão de CO2 na atmosfera, visto que cerca de 37 milhões de quilômetros deixarão de ser percorridos anualmente.”
Com a digitalização, o que acontecerá com os cheques em papel? Faria diz que eles irão cumprir o ciclo natural da compensação, que consome cerca de três dias, e depois poderão ser destruídos pela instituição bancária, aumentando ainda mais a segurança.
O novo modelo de compensação fará com que os cheques recuperem grande parte da credibilidade perdida em razão do alto índice de clonagem e fraudes, que a partir de agora entrará em declínio. Apesar do uso de cheques ter caído consideravelmente (em 2002 eram processados cerca de 450 milhões por mês e hoje são 90 milhões), ainda representa número importante como meio de pagamento.
Mas eles estão com os dias contados, na opinião de Samy Dana, professor de Finanças da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. “O dinheiro de plástico, ou seja, os cartões, têm substituído os cheques com eficiência. São mais usados hoje no comércio, que os tratam como duplicatas, para desconto em alguma factoring e obtenção de dinheiro a vista”, diz.
Além disso, prossegue Dana, o dinheiro tem custo. Cheque parado deixa de captar juros. A eficiência da compensação acelerada, segundo ele, gera ganho que poderá ser transformado em dinheiro. “Considerando a taxa de juros Selic (Sistema Especial de liquidação e de Custódia) de 0,04% ao dia, um dia a menos de compensação terá esse valor. Em altas somas, representa vantagem significante”, completa o professor.
“Toda a agilidade proporcionada e a eliminação do transporte físico dos cheques irão proporcionar ganhos importantes. Os bancos deveriam repassar parte disso para os correntistas por meio de tarifas mais baixas. Essa ação iria favorecer os negócios”, sugere o professor.
Movimentação no setor
Todos os preparativos para deixar os bancos prontos para a Compensação Digital por Imagem aqueceu os negócios de empresas que entraram em cena para prestar consultoria, fornecer recursos de captura e tratamento de imagens, armazenamento, entre outros.
Uma delas é a Unisys. De acordo com Eneida Telles, diretora de Projetos da empresa, a consultoria nesse segmento foi amplamente solicitada à empresa em razão da experiência da companhia em todas as fases do processo, desde 2009. E ela entende que os bancos vão optar por fazer a captura de imagem internamente para garantir mais segurança, terceirizando apenas serviços de consultoria e de integração para a construção do modelo próprio.“Acreditamos que a compensação digital ainda sofrerá ajustes, pois terá sua necessidade identificada no dia a dia com a continuidade da operação. Por isso, a demanda por serviços no segmento será bastante aquecida.”
A captura de imagem exige investimento em scanners diferenciados, verdadeiros protagonistas desse processo. Por conta disso, a Epson tem expectativa de triplicar as vendas, seguindo a tendência da descentralização, de acordo com Marcos Nora, gerente da Unidade de negócios de Automação Comercial da Epson.
Ele diz que atualmente a digitalização de cheques está bastante concentrada na retaguarda dos bancos. A tendência é que esse movimento migre para a frente de atendimento (caixas), reduzindo processos internos e agilizando a troca de informações digitalizadas.
Nos EUA, prossegue, esse processo já migrou para o varejo, onde o correntista (de estabelecimentos comerciais) digitaliza os cheques recebidos, evitando o transtorno de comparecer ao banco, agilizando o fluxo de caixa e principalmente de informações. “Já estamos com projetos de outsourcing para digitalização de cheques, por meio de empresas especializadas nesse nicho”, antecipa Nora.
Com a digitalização, quando um cheque do banco A é depositado no banco B, este o envia ao banco A (por imagem) para que ele tome a decisão de pagar ou não, mediante análise para verificar se está tudo correto (assinatura, valor, entre outras informações). É nesse momento que entramos no processo, diz Alexandre Corogliano, executivo da Disoft.
É um software (da alemã SoftPro) que permite a partir da imagem atestar que a assinatura é mesmo do correntista, via rede neural, se há indícios de fraude. Tudo por meio de um único ponto, em plataforma aberta, explica Corogliano que garante que os dois maiores bancos privados do País usam a solução.
O executivo lembra que no modelo de truncagem de cheques (compensação digital), os Estados Unidos estão à frente do Brasil. “Eles iniciaram em 2003, mobilizados ainda pela necessidade de preservação fortalecida pelo acontecimento de 11 de setembro”, diz, antecipando que para desfrutar dessa experiência está organizando, junto à parceira SoftPro, a ída de profissionais dos bancos clientes do Brasil até os bancos norte-americanos, que usam a solução. “Mais de 250 bancos no mundo são usuários da tecnologia.”
O que vem por aí
A Febraban acredita que a Compensação de Cheques por Imagem é apenas o começo da era digital nos bancos. “Muito em breve, outros documentos financeiros e não financeiros (como boletos, contratos etc) serão digitalizados, tornando mais ágeis outros processos”, diz Faria, diretor adjunto de Serviços da Febraban.
Essa prática já foi implementada internamente nos processos do Bradesco, de acordo com o vice-presidente executivo da instituição. “Desde 2008, digitalizamos contratos de nossos clientes para disponibilizá-los a eles por e-mail quando necessário. O próximo passo é ampliar o alcance desse recurso”, revela.
Ao que tudo indica, com o avanço da adoção de TI, os bancos vão agilizar processos, eliminar etapas, extinguir o uso dos cheques e desacelerar a atuação dos velhos e conhecidos malotes, muito mais rapidamente do que se imagina.
Como funciona
Compensação física (antes):
O banco A envia os cheques recebidos durante o dia para a câmara de compensação do Banco do Brasil. O BB faz o encaminhamento dos mesmos às instituições financeiras de origem do cheque para averiguação de saldo em conta corrente e conferência dos aspectos formais, tais como assinatura, data, preenchimento de valor etc. Após esse procedimento, ocorre a compensação.
Compensação por imagem (atual):
O banco A captura as informações do cheque por meio de código de barras e a imagem do cheque. Depois, encaminha tais informações e o cheque escaneado para o BB em um único arquivo. O BB faz o processamento desse arquivo e o encaminha ao banco de origem. O cheque físico fica no banco A.
Site: Computerworld
Data: 14/06/2011
Hora: 16h25
Seção: Tecnologia
Autor: Solange Calvo
Link: http://computerworld.uol.com.br/tecnologia/2011/06/14/compensacao-digital-vai-gerar-economia-de-r-100-mi-aos-bancos/