Quando os computadores e seus recursos multimídia começaram a ser levados para as escolas, quase 30 anos atrás, o ambiente da sala de aula e a didática começaram a se transformar: a combinação de imagens, sons, animação e interação passaram a proporcionar aos alunos experiências esclarecedoras e enriquecedoras na aquisição do conhecimento e abriram novas possibilidades de negócio em produção de conteúdo apropriado para um público que inclui desde crianças em fase pré-escolar até adultos em programas de pós-graduação. Hoje, segundo o banco de investimentos inglês Ibis Capital, só o mercado mundial de educação a distância, que é totalmente baseado nesse tipo de conteúdo, já alcança US$ 100 bilhões ao ano, e até 2017 deverá continuar crescendo a uma taxa anual de 23%.
Nos últimos anos, os conteúdos e estratégias digitais desenvolvidos originalmente para uso em computadores de mesa e notebooks ganharam força com a popularização dos tablets, afirma Mervin Lowe, presidente da empresa produtora de conteúdo P3D. "Quem fez a grande virada na educação foi o Steve Jobs", observa ele, que abriu sua empresa 11 anos atrás para produzir conteúdo de biologia, química e geografia em três dimensões apenas para computadores de mesa. Nessa época, diz ele, era difícil encontrar educadores que entendessem o que a empresa fazia: "Tínhamos um vídeo mostrando um professor utilizando o nosso material numa lousa interativa e recebíamos às vezes a resposta de que aquela escola já possuía toda a coleção da National Geographic e do Discovery Channel".
Foram cinco anos produzindo conteúdo e ganhando muito pouco, lembra Lowe, que abriu a empresa depois de perder seu emprego na área de recursos humanos da extinta Enron do Brasil. Em compensação, neste ano ele e seus três sócios comemoram um faturamento superior a R$ 20 milhões, com cerca de 6 mil clientes - cinco mil deles no exterior: "Nosso produto está em 20 países, traduzido em 13 línguas", conta Lowe.
O conteúdo digital para a educação, no entanto, não está sendo produzido apenas por empresas, conta a professora Valdenice Minatel, coordenadora de tecnologia educacional no Colégio Dante Alighieri, de São Paulo: "Há muita gente produzindo conteúdo bom, inclusive professores e alunos, criando vídeos que são encontrados até no Youtube. Atualmente, o próprio Youtube tem uma curadoria para vídeos educacionais que ajuda muito os educadores", afirma.
Um dos casos mais notáveis de produção individual de conteúdo é o do engenheiro americano Salman Khan, que gravou todas as aulas de matemática que dava pela internet a um primo, publicou-as num portal e assim deu início à Khan Academy, que hoje tem mais de 5 mil micropalestras e 100 mil exercícios das mais diversas disciplinas, com tradução em cerca de 30 línguas (inclusive português).
A Khan Academy inspirou o cearense Thiago Feijão, estudante de engenharia mecânica do ITA, a fundar, em março de 2011, com alguns colegas, a iniciativa QMágico para ensino de matemática. O portal entrou no ar um ano depois, com cerca de 300 vídeos e o apoio da Fundação Lehman, que anteriormente já havia apoiado a tradução de materiais da Khan Academy para o português.
Para a coordenadora do Dante Alighieri esses são sinais de que após muitos anos finalmente a tecnologia está dando apoio ao trabalho do professor: "Agora começamos também a usar tecnologia para mapear as possibilidades de ensino e de aprendizagem, e as plataformas são cada vez mais amigáveis, simples e adequadas ao ensino, quer seja por investigação ou por habilidades. Então, temos um panorama bastante promissor, e parece que de fato a tecnologia chegou ao tão esperado ponto de inflexão", diz ela.
A produção de conteúdos interativos para a educação em plataformas fixas ou móveis é um dos negócios da FGX, presidida por Fábio Guimarães, que tem uma "fábrica" de conteúdos baseada na Costa Rica. Lá são produzidos games, vídeos e animações em 3D para os mercados da América Latina: "Temos o pessoal de projeto, de design instrucional, para ir aos colégios e universidades entender a demanda, mapear o público e os objetivos e desenvolver o material para eles. Os materiais cobrem muitos gaps do mercado e no nosso caso são bem adequados ao ensino superior", afirma Guimarães.
Se uma empresa produz conteúdo educacional com viés social, ela pode ser candidata a aceleração pela Artemisia, uma organização fundada em 2004 pelo fundo americano Potencia Ventures para alavancar negócios sociais em mercados emergentes. Uma dessas empresas é a IES2, na qual um dos sócios é José Luis Poli, cofundador da Anhanguera Educacional, e cujo foco é a redução do analfabetismo por meio de aplicativos projetados para smartphones: eles contêm atividades interativas que combinam sons, letras e imagens para auxiliar a alfabetização, enquanto as tarefas e exercícios são enviados por SMS.
Outra empresa apoiada pela Artemisia é a Xmile, de Florianópolis, fundada por Nicolas Peluffo e Roberto Kaplan. Eles desenvolveram animações para educação baseada em dispositivos móveis, destinadas a alunos do ensino básico e com a proposta de também resolver três problemas: o desejo do aluno em utilizar a tecnologia na sala de aula, a frustração dos professores por não saberem como resolver essa questão e a necessidade dos diretores de escolas em aplicar melhor os recursos para a formação dos alunos.
No caso da P3D, o caminho para a aceleração foi a incubadora Cietec, o Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia de São Paulo, conta Lowe, o presidente da empresa: "Precisávamos ir para lá porque ali teríamos o apoio e o conhecimento dos professores da USP".
Site: Valor Econômico
Data: 30/05/2014
Hora: 05h
Seção: Empresas
Autor: Paulo Brito
Link: http://www.valor.com.br/empresas/3567986/conteudo-digital-vira-produto-e-gera-bons-negocios