Nos artigos anteriores escrevi sobre transformação digital e como ela está sendo aplicada por CEOs do mundo inteiro para repensar e recriar modelos de negócios e processos tradicionais existentes no contexto das tecnologias atuais, da consumerização de TI, da computação de baixo custo onipresente e da nossa sociedade globalmente conectada. Acredito que vários desses novos modelos de negócios digitais, habilitados para SMAC, possuem um potencial intrínseco para ser mais transformador do que aparenta.

Uma dúvida interessante que costuma surgir, relacionada a iniciativas de transformação digital, é qual é, de fato, a capacidade “transformacional” de uma iniciativa. Ela realmente cria alterações transformacionais para o modelo de negócio, processo, produto e/ou serviço ou está mais voltada para um valor agregado?

Em primeiro lugar, esta é uma excelente pergunta para se fazer a todas as suas iniciativas digitais. Também significa um teste para descobrir o grau de modificação previsto ou já observado, a partir da implantação da iniciativa digital. Como apoiador por trás da iniciativa, ou talvez como um dos diversos investidores, você saberá imediatamente, a partir de sua estratégia digital, o grau da mudança que você deseja realizar. Ao analisar seu portfólio de projetos, provavelmente algum deles estará mais próximo da categoria ''transformacional'' e outros serão deliberadamente mais ''incrementais''. Ainda assim, com a intenção de produzir formas específicas de valor de negócios mensuráveis.

Esta discussão sobre o ''grau de transformação'' é muito semelhante às discussões que costumo ter com clientes ao realizar workshops de inovação. Em nosso formato específico de workshops, incentivamos ideias de todos os tipos: de estratégicas e altamente inovadoras, ''que alteram os negócios'', às mais táticas, incrementais. O objetivo com estes workshops é que todas as ideias, das estratégicas às táticas, têm mérito inicial e devem ser coletadas. Desde que estejam alinhadas com as principais áreas de foco do workshop, determinadas com antecedência juntamente com apoiadores e destinarem-se a adicionar valor aos negócios, vamos prosseguir e capturá-las para serem discutidas e priorizadas.

Como patrocinador ou investidor, provavelmente você conhece o grau de transformação baseado na sua estratégia. Mas, e quanto ao observador externo, o cliente ou o parceiro? Acredito que estes novos modelos de negócios sejam criados para operar, mas possuem um potencial intrínseco de ser mais transformador do que aparentam externamente. Ao digitalizar um modelo ou processo de negócios analógico, o transformamos de modo eficaz em bits e átomos e permitimos infinitas possibilidades. As regras podem ser as que você desejar — com o mercado funcionando como base para determinar se as novas regras são viáveis e podem levar à adoção e ao crescimento.

Um exemplo de estacionamento inteligente

Um bom exemplo dessa interrupção oculta de modelos de negócios digitais - em termos de grau de alteração transformacional – é o estacionamento inteligente. À primeira vista, é só uma maneira de encontrar uma vaga. Claro, este é um excelente exemplo de SMAC, porque também contém elementos sociais, de mobilidade, análise e nuvem, mas está realmente fornecendo mais orientações aos motoristas em seu dispositivo móvel para que eles possam encontrar vagas disponíveis na cidade? Com certeza este é apenas um valor agregado incremental e dificilmente transformacional, que vai apenas economizar alguns minutos para encontrar uma vaga.

Entretanto, ao analisar detalhadamente a ação de estacionar de modo inteligente, você descobrirá alguns aspectos realmente transformacionais no modelo de negócios digital, que podem ser chamados de ''inovações ocultas''. Em primeiro lugar, estacionar de modo inteligente oferece benefícios óbvios aos motoristas, mas também conta com aspectos transformacionais para cidades e para o setor de transportes como um todo. Estacionamento é basicamente um negócio imobiliário para as cidades. Como um todo, costuma ser a segunda ou terceira fonte de receita para uma cidade. Qualquer mudança de modelo ou processo de negócios que pode aprimorar a receita de estacionamentos, diminuir o tempo gasto para encontrar uma vaga e reduzir congestionamentos e poluição, podem produzir benefícios substanciais para a cidade e a economia.

Atualmente, de acordo com a Streetline, existem aproximadamente 2 bilhões de vagas nos EUA. São gastas por ano 70 milhões de horas para encontrar uma vaga, o que representa a perda de US$ 1 bilhão para a economia do país. Além disso, 30% dos motoristas da cidade estão procurando vagas, o que adiciona aproximadamente 10% à média de emissões de CO2 dos veículos. Sistemas de estacionamento inteligentes permitem que as cidades entendam melhor o comportamento ao estacionar e façam alterações às políticas públicas de modo a aprimorar as condições.

Isso pode incluir mudanças como horas de funcionamento do estabelecimento, limite de tempo ou até mesmo preço de acordo com a demanda. O resultado é que estacionar com inteligência pode permitir que cidades elevem suas receitas em até 20% - 30%, podendo alcançar um ROI de 1 a 2 anos. Estudos recentes mostraram que receitas de impostos sobre venda aumentaram em até 11,9%, houve uma redução de 30% nas emissões de gases causadores do efeito estufa, uma redução de 10% no trânsito e um aumento de 2% no PIB local. Diminuir o trânsito e o congestionamento para estacionar aprimora o comércio ao tornar as cidades mais acessíveis para todos os cidadãos.

Por isso, atualmente posso dizer que existe um forte business case para estacionamentos inteligentes com níveis transformacionais de benefícios, ou seja, além de aprimoramentos em porcentagens de um único dígito e saltando para a faixa de mais de 10%. Ao olharmos para frente, para as extensões deste modelo de negócios em cidades inteligentes, redes de transportes inteligentes e carros conectados, tudo fica mais interessante. Estacionar com inteligência está somente relacionado a estacionamentos ou também à digitalização e à conexão do mundo físico para permitir uma ampla variedade de novos modelos de negócios e serviços associados? Por exemplo, o início de uma reprodução da “Internet das Coisas” (IoT).

O que acontece quando sistemas de estacionamentos inteligentes são integrados em um ecossistema de outros dispositivos de IoT em uma cidade, como qualidade do ar, iluminação, pressão da água e até mesmo latas de lixo? Os resultados são oportunidades para operações de uma cidade e de serviços inteligentes para se tornarem receptivos, proativos e até previsíveis com base nas alterações observadas digitalmente no ambiente do mundo real. Sensores usados para um propósito também podem ter novas tarefas ou serem multifuncionais para atender a outras necessidades da cidade. Por exemplo, estacionamentos inteligentes que incluam sensores de temperatura podem ser usados para medir a temperatura da superfície do asfalto e saber, de modo proativo, quando caminhões de sal ou de remoção de neve devem ser enviados.

O que acontece quando sistemas de estacionamento inteligente são integrados ao carro conectado? Em um futuro próximo, o resultado pode ser que seu assistente digital, acessível de qualquer dispositivo, incluindo seu carro, possa compartilhar sua agenda com comércios relevantes por meio de um ecossistema de estacionamentos inteligentes, possibilitando reservar as melhores vagas para você alguns minutos antes do seu horário de chegada programado. Este e outras centenas de serviços personalizados que você acessará por meio do seu celular e do carro conectado tornarão este ecossistema inteligente extremamente aceitável, em termos de serviços fornecidos. Provedores de serviços e comércios concorrentes desenvolverão experiências personalizadas para seus clientes, o que pode ser difícil para concorrentes novos.

Para resumir, modelos de negócios digitais são altamente atraentes porque possuem diversas direções de futuro que podem ser usadas. Além disso, a oportunidade para a inovação de processos e modelos de negócios é muito ampla. O potencial para mudanças transformacionais é particularmente forte quando parte de um modelo de negócios totalmente analógico para um altamente digitalizado. Assim como a Amazon, que digitalizou o setor de vendas de livros e o Netflix com o setor de locação de filmes, o setor de transportes é exemplo de uma das diversas áreas que serão digitais. Quando a “Internet das Coisas” também faz parte deste modelo de negócios, ela abre ainda mais possibilidades para inovações ocultas, pois digitalizamos o mundo físico e instrumentamos pessoas, recursos e infraestrutura. Isso tem o potencial de modificar radicalmente o modo como as pessoas trabalham e vivem, pois nos move para uma era de experiências digitais constantes, interações e transações sustentadas pelo consumo inteligente de recursos.

 (*) Nicholas Evans lidera o Programa Estratégico de Inovação da Unisys e foi apontado como um dos 100 principais líderes de TI em 2009 pelo prêmio Computerworld’s Premier 100 IT Leaders. Contatos através do e-mail [email protected] ou em sua página do LinkedIn

Site: CIO
Data: 13/11/14
Hora: 9h
Seção: Gestão
Autor: Nicholas Evans
Link: http://cio.com.br/gestao/2014/11/13/ha-muita-inovacao-oculta-em-modelos-de-negocio-digitais/