Smartphones impulsionam estúdios nacionais de games, mas setor ainda precisa amadurecer

16/03/2015

RIO - Eles estão nas mãos e nos bolsos de muita gente. Segundo estimativa recente da eMarketer, existem no país 38,8 milhões de smartphones ativos, e eles não servem apenas para fazer chamadas. De acordo com a Pesquisa Game Brasil 2015, os celulares ultrapassaram os computadores como plataforma mais utilizada pelos brasileiros para jogos eletrônicos. Dos entrevistados, 91,9% disseram usar o telefone como videogame, função que fica atrás apenas de tirar fotos (96,4%) e usar aplicativos de mensagens como o WhatsApp (93%). Esse imenso mercado tem impulsionado a indústria brasileira de desenvolvedores, mas são poucos os que conseguem disputar com gigantes internacionais.

Um levantamento que está sendo realizado pela Associação Comercial, Industrial e Cultural dos Games (Acigames) aponta que já existem no Brasil ao menos 220 empresas trabalhando no desenvolvimento de jogos, sendo que em 2012 eram apenas 120. Segundo Moacyr Alves, presidente da associação, a popularização dos smartphones é o motivo principal para o avanço do setor. O estudo ainda está em andamento, mas já aponta para uma mudança no perfil dos estúdios, antes focados em jogos educativos e de treinamento e advergames (criados por encomenda para ações publicitárias).

— As novas produtoras são pequenas, às vezes só com uma ou duas pessoas, que desenvolvem joguinhos para celular — diz Alves. — A indústria brasileira ainda é incipiente, mas cresce bastante, e o mobile está sendo fundamental. A facilidade de publicação é o principal atrativo.

Para publicar um jogo nas plataformas Xbox e PlayStation, o programador precisa obter uma licença e o produto final deve ser de alto nível de qualidade. Isso não acontece nas lojas de aplicativos para celular. Os jogos são cada vez melhores e mais complexos, mas o processo de publicação é bem mais simples.


“Knights of Pen & Paper”, lançado para Android e iOS em 2013, já faturou mais de R$ 1 milhão - Divulgação

Game fatura mais de R$ 1 milhão

Um caso de sucesso brasileiro é a Behold Studios. O “Knights of Pen & Paper”, lançado para Android e iOS em 2013, já faturou mais de R$ 1 milhão. O diretor de Arte da empresa, Betu Souza, conta que o jogo focou em um nicho, o de fãs de RPG. Quando foi lançado, não existiam bons títulos do gênero disponíveis no mercado. Mesmo sem dinheiro para publicidade, o título conseguiu divulgação espontânea com a exposição em sites e blogs especializados. Agora, a empresa prepara o lançamento de “Chroma Squad”, previsto para 30 de abril.

— Lá fora, o mercado é bem estruturado, enquanto a indústria brasileira é emergente — diz Souza. — Entrar achando que vai ganhar muito dinheiro não é um bom começo, é difícil competir com empresas estrangeiras que faturam milhões.

A dificuldade apontada por Souza é enfrentada pela Cat Nigiri. A produtora de Florianópolis conseguiu faturar com seu primeiro título, “Dino Zone”, lançado para Android e iOS em 2013, mas os dois jogos que o sucederam, “Dream Swim” e “Popeman”, não repetiram a performance. Nando Guimarães, cofundador do estúdio, diz ser difícil ter um “retorno adequado” com os joguinhos para celular.

— Os tablets e smartphones se transformaram na principal plataforma da indústria, mas é preciso um jogo excepcional ou muito dinheiro para conseguir retorno — diz Guimarães. — Nós competimos com milhares de outros jogos e é muito difícil se destacar. Ainda mais com empresas como King (do “Candy Crush Saga”) e Supercell (do “Clash of Clans”), que gastam milhões em publicidade.

A dificuldade é tamanha que Guimarães admite que a empresa está mudando o seu foco dos smartphones para os tradicionais advergames, que possibilitam faturamento garantido em cada projeto executado.

A consultora Ana Carina Lauriano se diz viciada em joguinhos de celular. No trajeto entre a casa e o trabalho, ela joga ao menos duas horas por dia. Os títulos são muitos: “Candy Crush Saga”, “Song Pop”, “Bubble Explode” e “Farm Heroes Saga”, entre outros, mas nenhum brasileiro.

— Nunca me atentei a isso, eu nem sei quais são os jogos brasileiros — diz Ana Carina. — Eu escolho pelo visual, pela interface e se o jogo me diverte.

O presidente da Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (Abragames), Alexandre Machado de Sá, faz uma crítica ao modelo adotado pela indústria nacional. Em vez de focarem no consumidor interno, os estúdios lançam títulos em inglês, para tentar disputar o imenso mercado internacional, mas se esquecem de explorar o potencial local.

Na opinião do especialista, que comanda o estúdio 44 Toons, os desenvolvedores poderiam aproveitar aspectos culturais do nosso país, além de personagens presentes no imaginário. Na sua empresa, Machado trabalha com o lançamento simultâneo de jogos e programas infantis para a TV, todos em português.

— Hoje, o mercado abriu oportunidades que não existiam há cinco anos, mas elas ainda não estão sendo exploradas — diz Machado. — A quantidade de casos de sucesso, como o da Behold, vai aumentar, mas o que me preocupa é o descompasso entre o investimento de jogos internacionais e os produzidos no Brasil.

O sucesso mora ao lado

O estúdio argentino Etermax alcançou relativo sucesso em 2012, com o jogo “Apalabrados“, adaptação do conhecido jogo de tabuleiro Caça-Palavras, que superou um milhão de downloads. Mas a explosão aconteceu no ano passado, com o lançamento de “Preguntados”, ou “Perguntados”, como é conhecido por aqui. O título, que já está disponível em 11 idiomas, acumula mais de 130 milhões de usuários em todo o mundo. Maximo Cavazzani, diretor executivo da empresa, destaca que os celulares têm a vantagem de estarem 24 horas por dia nas mãos dos usuários.

O executivo argentino, de apenas 28 anos, conta que a ideia para o blockbuster surgiu de um problema nos jogos de tabuleiro de perguntas e respostas. Neles, as questões se tornam repetitivas e desatualizadas com o passar do tempo, o que não acontece em “Perguntados”. A base de dados é atualizada constantemente pela comunidade, que também é responsável por mediar as perguntas que serão aceitas ou não.

— A independência e a democratização de conhecimentos, somadas ao conteúdo fresco constante, são a semente do êxito do jogo, e exercem forte atração nas pessoas para seguirem jogando e provando seus conhecimentos em uma comunidade conectada pelo celular — diz Cavazzani.

Com sua imensa base de usuários, ganhar dinheiro não é problema para a Etermax, mas o modelo de faturamento é uma questão bastante discutida na indústria. Na Pesquisa Game Brasil, 75% dos entrevistados disseram baixar apenas jogos gratuitos, e 57,3% disseram se recusar a pagar, pois sempre existem opções gratuitas. Além disso, os consumidores estão cada vez menos tolerantes com a publicidade. Em 2013, 77% diziam aceitar jogos com anúncios, neste ano são 66,4%.

Machado, presidente da Abragames, explica que não existe um modelo certo. Cada jogo pede uma estratégia própria. O formato de distribuição mais comum entre os aplicativos de celular é o freemium. O download é gratuito, mas existem cobranças dentro de cada jogo que facilitam ou aceleram o avanço no game. O “Kinghts of Pen & Paper”, da Behold Studios, segue o formato premium, que cobra pela instalação. No caso, US$ 4,99.

— O modelo de faturamento nasce com a criação do jogo. Se for freemium, tem que envolver o jogador rapidamente até ele decidir gastar. Já o premium precisa satisfazer o usuário, para que ele recomende aos amigos — diz Machado.

Site: Computerworld
Data: 16/03/2015
Hora: 8h39
Seção: Tecnologia
Autor: Sérgio Matsuura
Link: http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/smartphones-impulsionam-estudios-nacionais-de-games-mas-setor-ainda-precisa-amadurecer-15604673