*John Lemos Forman
Se você ainda não ouviu falar da Internet das Coisas (things em Inglês), abreviada para IoT, ou descartou o assunto por não se interessar por pulseiras ou relógios conectados à internet, é melhor prestar mais atenção a isto.
É bem verdade que essa tal de IoT ainda está na sua infância, podendo parecer que ainda vai demorar para acontecer de fato. Por outro lado, lembrando que o iPad, tablet da Apple, só começou a ser efetivamente comercializado em outubro de 2010, muita coisa pode acontecer em quatro ou cinco anos!
As estimativas indicam que 2014 terminou com cerca de 4 bilhões de dispositivos conectados à internet e as previsões para 2020 apontam para números que variam entre 40 e 70 bilhões de dispositivos conectados. Se hoje a maior parte das conexões é de computadores, tablets e celulares, em cinco anos teremos um conjunto enorme de outras coisas conectadas. Alguns defendem, inclusive, que este novo cenário deveria ser chamado de Internet de Tudo (Internet of Everything), já que se considera conectar de animais a geladeiras, passando por veículos capazes de dirigir sozinhos em função da troca de informações entre seus próprios sensores e o ambiente ao seu redor.
Os principais componentes desta nova revolução são a digitalização crescente dos conteúdos, o aumento da capacidade de transmissão de dados por redes sem fio, a miniaturização dos sensores/processadores e o barateamento dos preços de todas essas tecnologias. Não faltam, contudo, desafios a serem superados para que as previsões acima se tornem realidade.
Pelo lado das comunicações, para que uma quantidade tão grande de coisas possa estar de fato conectada à internet e trocando dados de forma constante e confiável, é preciso melhorar muito a rede de telefonia móvel. Comparando o que temos de melhor hoje, que é o 4G, as metas para a próxima geração tecnológica – o 5G, são de alcançar uma capacidade 10.000 vezes maior (conexões/Km2), velocidade 1.000 vezes maior (10 Gbps), latência menor do que 1 ms (este, por si só, um tremendo desafio) e um consumo de energia 1.000 vezes menor. Mas não se iludam sobre a viabilidade disto. A empresa chinesa Huawei esta prometendo testes públicos com o 5G na Copa de 2018 na Rússia e nos Jogos Olímpicos de Inverno na Coréia do Sul neste mesmo ano.
Outro pilar fundamental para alcançar o cenário vislumbrado para a IoT é justamente o Software. Sim, porque uma coisa qualquer só é capaz de se conectar à internet se tiver uma camada de software capaz de gerenciar não apenas a conexão, como também a troca de dados com outros dispositivos.
Com tanta informação trafegando, será necessário criar protocolos inteligentes para garantir o tempo de resposta esperado tirando o máximo proveito da infraestrutura física disponível. Estão surgindo conceitos como o de Rede de Nuvem Definida pelos Usuários (User-Defined Network Cloud – UDNC), que será a forma como serão as redes no futuro, constituindo uma rede global composta por redes inteligentes que se interconectam e que são capazes de se configurar para melhor atender as necessidades de empresas e clientes. Parte essencial desta visão são as Redes Definidas por Software (Software-Defined Networks – SDNs) e a Virtualização de Funções de Rede (Network Function Virtualization – NFV). Com o SDN, o contr
Virtualization – NFV). Com o SDN, o controle da rede migra do hardware para o software, enquanto que o NFV substitui equipamentos específicos de rede por plataformas de software construídas em máquinas virtuais.
Notem também que a parcela “inteligente” de uma rede, de um telefone (smartphone) ou de uma coisa qualquer na IoT é justamente o software embarcado/instalado nesta coisa. Apesar de já termos hoje uma quantidade enorme de sensores espalhados pelo mundo (muitos em celulares), este número vai continuar crescendo e será preciso criar novas camadas de software ainda mais sofisticadas para otimizar o uso de energia destes dispositivos, ao mesmo tempo entendendo se a variação observada nos dados capturados significa que esta tudo OK ou se precisa ser transmitida com urgência por indicar uma situação de exceção. No caso de sensores em carros, o tempo de transmissão da informação e a resposta para ajustar a rota do veículo deverá ser tal que permita evitar colisões ou atropelamentos.
Vejamos outro exemplo de uma “coisa” inteligente: seu smartphone já pode ser usado hoje como um despertador e os mais cínicos poderão dizer que ele é inteligente por já tocar na hora exata para a qual foi programado. Mas imagine que você precisará estar muito cedo no aeroporto amanhã e se esqueceu de reprogramar o horário de despertar. Um despertador realmente inteligente não precisará ser reprogramado. Ele poderá consultar sua agenda e descobrir o horário previsto de embarque, somando a isto o tempo médio de ir da sua casa para o aeroporto, assumindo que você irá de carro, já que não há nenhuma reserva de serviço de táxi. Mais do que isto, se o aeroporto estiver fechado por conta de mau tempo, poderá ainda retardar um pouco o horário do seu despertar. No limite, seus objetos de uso pessoal poderão formar uma “rede social” para troca de informações entre eles, você e suas relações pessoais (incluindo as “coisas” destas suas relações).
Outro aspecto extremamente importante, mesmo considerando que a noção de privacidade tem mudado bastante em anos recentes, é justamente a questão de como garantir a proteção aos dados de um indivíduo qualquer. Como garantir que um amigo não consiga invadir seu despertador inteligente para que ele o acorde no meio da madrugada ? Pior ainda, que um desconhecido consiga abrir a tranca inteligente da sua casa? E as informações que você concordou em compartilhar com uma empresa ou ente de governo ? Poderão eles trocar informações entre si ? Que tipo de limites deverão ser impostos?
O maior desafio, contudo, pode estar na falta de padronização, sem a qual não será possível
garantir a compatibilidade futura entre “coisas” de diferentes fabricantes, que precisarão falar através do compartilhamento da infraestrutura de comunicação numa “linguagem” que permita endereçar, entre outras, as questões de segurança e privacidade, sem exigir que as pessoas precisem configurar seus dispositivos através de rotinas complexas (quem sabia como ou tinha paciência para configurar o videocassete para gravar a novela?).
Vejam, não serão mais apenas os fabricantes de computadores e celulares inteligentes que precisarão entender e incorporar o software aos seus produtos. Os grandes grupos industriais que irão fabricar as “coisas” que estarão conectadas já estão desenvolvendo softwares em seus laboratórios de pesquisa. Estão inclusive preocupados com as possíveis limitações de desenvolver produtos para plataformas tecnológicas proprietárias controladas por terceiros.
Por isto mesmo, estão priorizando investimentos em padrões abertos, com destaque para tecnologias como o OpenStack para viabilizar uma Nuvem Computacional que facilite a interoperabilidade. Mais do que isto, estão criando ambientes propícios a uma maior interação com parceiros e clientes, fazendo uso extensivo de ambientes de colaboração na internet para estimular o crowdsourcing e variações de modelos de inovação aberta. Nestes ambientes, protótipos são desenvolvidos com base em hardware aberto, adotando tecnologias como Arduíno, Raspberry Pi e similares.
Porém, se a infraestrutura de hardware e software básico for toda aberta, como estas empresas conseguirão se diferenciar no mercado? A expectativa é que desenvolvam seus produtos inteligentes com uma
experiência mais amigável e intuitiva, com algoritmos mais eficientes e que consigam “entender” melhor seus usuários. Ou seja, vão se diferenciar através do software, esteja ele instalado/embarcado nestes dispositivos ou em datacenters capazes de receber volumes gigantescos de dados (Big Data). Desta rede permanentemente conectada gerando um fluxo constante de informações (computação na nuvem), será possível extrair tendências e comportamentos, gerando respostas cada vez melhor formatadas e direcionadas para os anseios “individuais” dos usuários que estão nas pontas.
Para isto, contudo, não vai bastar que a própria internet seja turbinada com uma camada de software/inteligência capaz de autoconfigurar rotas e prioridades para as informações nela trafegadas. A origem do dado e sua circunstância vão demandar uma modelagem semântica da informação muito mais sofisticada do que temos atualmente. Os algoritmos de software em uso precisarão continuar a evoluir para extrair das informações disponíveis o conhecimento relevante para diferentes situações. Precisarão, inclusive, discernir sobre quais informações podem ou devem ser descartadas para garantir o processamento de uma quantidade de dados suficiente para alcançar o resultado esperado sem gastar muito tempo ou energia.
Para isto, contudo, não vai bastar que a própria internet seja turbinada com uma camada de software/inteligência capaz de autoconfigurar rotas e prioridades para as informações nela trafegadas. A origem do dado e sua circunstância vão demandar uma modelagem semântica da informação muito mais sofisticada do que temos atualmente. Os algoritmos de software em uso precisarão continuar a evoluir para extrair das informações disponíveis o conhecimento relevante para diferentes situações. Precisarão, inclusive, discernir sobre quais informações podem ou devem ser descartadas para garantir o processamento de uma quantidade de dados suficiente para alcançar o resultado esperado sem gastar muito tempo ou energia.
Ninguém precisa ser um visionário para perceber que o software (TI) + comunicação (C) = TIC serão indispensáveis neste futuro, que está cada vez mais próximo. São várias as tecnologias que irão compor a IoT e o pessoal que trabalha com as tecnologias de comunicação estará empenhado em tornar o 5G uma realidade.
Chamou a minha atenção o fato da China ter montado um grupo para promover as tecnologias em torno do 5G, o IMT-2020, congregando 3 ministérios daquele país e focado na promoção da pesquisa e na cooperação internacional. Na verdade, o IMT-2020 parte dos esforços do International Mobile Telecommunications-Advanced (IMT-Advanced) desenvolvido no âmbito da União de Telecomunicações Internacional (ITU), mas com o propósito de colocar a China na vanguarda destas pesquisas. Eles não estão sozinhos nesta corrida, já que a União Europeia vem realizando diversos investimentos em projetos em torno do 5G, assim como a Coreia do Sul em parceria com o Japão. Os EUA não ficam atrás. Quem não aparece neste mapa de investimentos é o Brasil e outros países ao sul do equador, sem nenhum projeto de pesquisa com recursos relevantes sobre o tema.
Chamou a minha atenção o fato da China ter montado um grupo para promover as tecnologias em torno do 5G, o IMT-2020, congregando 3 ministérios daquele país e focado na promoção da pesquisa e na cooperação internacional. Na verdade, o IMT-2020 parte dos esforços do International Mobile Telecommunications-Advanced (IMT-Advanced) desenvolvido no âmbito da União de Telecomunicações Internacional (ITU), mas com o propósito de colocar a China na vanguarda destas pesquisas. Eles não estão sozinhos nesta corrida, já que a União Europeia vem realizando diversos investimentos em projetos em torno do 5G, assim como a Coreia do Sul em parceria com o Japão. Os EUA não ficam atrás. Quem não aparece neste mapa de investimentos é o Brasil e outros países ao sul do equador, sem nenhum projeto de pesquisa com recursos relevantes sobre o tema.
Por outro lado, temos cidades brasileiras buscando a classificação de Cidades Inteligentes e Sustentáveis, que tem sido a porta de entrada para a IoT através de iniciativas que criam uma infraestrutura de conexão sem fio em banda larga, viabilizando soluções inovadoras para problemas comuns a qualquer cidade. Já são conhecidas soluções bem-sucedidas nas áreas de gestão de parquímetros, controle de trânsito, manutenção de lixeiras, compartilhamento de informações sobre atrações turísticas e alternativas de locomoção para chegar até elas, dentre outras.
Não faltam projetos para a definição e evolução de padrões diversos, inclusive em torno de soluções para cidades inteligentes como é o caso do CityPulse. Como este, existem inúmeros outros com pesos-pesados da indústria, tais como Bosch, Ericsson, GE, GM, Huawei, Intel, Samsumg e Siemens, participando de diversos deles. Afinal, ninguém sabe ao certo quais iniciativas vão realmente prevalecer.
Os pesos-pesados da área de TI, como Cisco, EMC, IBM, Microsoft e Oracle, estão trabalhando em suas respectivas plataformas para gestão de redes/datacenters/aplicações. Atores mais novos, mas não menos poderosos, como Amazon, Facebook e Google, tem se posicionado cada vez mais como provedores de soluções/plataformas para tirar proveito das oportunidades em torno da IoT.
Para todas estas empresas (e muitas outras), a visão do que poderá ser a Internet das Coisas está bastante clara. A maioria entende que estamos no meio de uma nova revolução, que poderá ser tão ou mais impactante para a economia e a sociedade do que foi a Revolução Industrial. O potencial é enorme e todos concordam que nenhuma empresa sozinha conseguirá dominar todas as peças deste enorme quebra-cabeça.
Os pilares da IoT já são uma realidade hoje, apesar de tais tecnologias estarem ainda na sua infância. Muitas oportunidades estão postas e governos e grandes empresas estão investindo para tentar tirar proveito das
mesmas. O software será um componente comum entre todas as tecnologias que darão suporte a este cenário futuro de uma rede global, composta por redes públicas e privadas que se interconectam.
O Brasil parece acompanhar todo este movimento, mas muito mais como mercado-alvo com enorme potencial de consumo destas tecnologias do que como colaborador ativo no desenvolvimento de P&D&I, que irá viabilizar a exploração destas oportunidades. Não dá para dizer que não temos nenhuma movimentação em relação ao IoT, até porque a maioria das empresas mencionadas anteriormente mantém, no país, institutos ou projetos de pesquisa. O programa TI Maior, do Governo Federal, parece ter mapeado inclusive boa parte das oportunidades existentes. Mas a aposta maior que o país parece estar realmente fazendo é contribuir com os mecanismos de governança da internet (Marco Civil da Internet e Net Mundial), indispensáveis para que tudo funcione e com a vantagem de dar projeção internacional ao Brasil, ao mesmo tempo exigindo investimentos muito menores do que qualquer projeto sério, mesmo que modesto, para criar tecnologia relevante em escala global.
O Brasil parece acompanhar todo este movimento, mas muito mais como mercado-alvo com enorme potencial de consumo destas tecnologias do que como colaborador ativo no desenvolvimento de P&D&I, que irá viabilizar a exploração destas oportunidades. Não dá para dizer que não temos nenhuma movimentação em relação ao IoT, até porque a maioria das empresas mencionadas anteriormente mantém, no país, institutos ou projetos de pesquisa. O programa TI Maior, do Governo Federal, parece ter mapeado inclusive boa parte das oportunidades existentes. Mas a aposta maior que o país parece estar realmente fazendo é contribuir com os mecanismos de governança da internet (Marco Civil da Internet e Net Mundial), indispensáveis para que tudo funcione e com a vantagem de dar projeção internacional ao Brasil, ao mesmo tempo exigindo investimentos muito menores do que qualquer projeto sério, mesmo que modesto, para criar tecnologia relevante em escala global.
* John Lemos Forman é vice-presidente do TI Rio e Relações Institucionais da Fenainfo.
Fonte: Revista TI Maior