O montante pago pelas grandes empresas e bancos, especialmente dos impostos que incidem sobre o lucro da atividade, está caindo muito acima da média da arrecadação federal. No primeiro semestre deste ano, a queda real do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) das grandes empresas caiu 12,8% em termos reais em relação ao mesmo período do ano passado. E essa queda está crescendo. Desde março a retração mensal tem ficado perto de 28% em relação a igual mês de 2014.
Na avaliação de economistas e tributaristas, essa queda mistura perda efetiva de rentabilidade, política defensiva das empresas (que retardam pagamentos de impostos, porque a conta depois é mais barata que tomar recurso hoje nos bancos), reação à proliferação recente de programas de refinanciamento de dívidas tributárias (Refis) e também um efeito secundário da regularização das relações do Tesouro com suas estatais.
Essa última hipótese é levantada por José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) e professor do mestrado do Instituto Brasiliense de Direito Público. De acordo com dados levantados por ele, de janeiro a maio, a arrecadação total de impostos de um setor registrado como "bancos de desenvolvimento" caiu 30% em relação a 2014, o que significou quase R$ 800 milhões a menos no caixa da União.
Segundo Afonso, essa "perda" é reflexo da política econômica anterior, de inflar os dividendos que o Tesouro recebia desses bancos e empresas públicas. "O dividendo é a ponta do iceberg", diz ele, ponderando que para ter lucro (que gera dividendo) é preciso operações que gerem lucro e sobre as quais se recolhe imposto. (veja entrevista em Receita também cai com novo PIB e ecos da criatividade fiscal).
O atraso no pagamento dos tributos e o impacto do Refis na cultura dos empresários foram hipóteses levantadas pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em entrevista ao Valor, há duas semanas. A Receita Federal, em nota divulgada na semana passada, tratou do distanciamento da arrecadação do IRPJ e da CSLL e informou que isso tem acontecido porque as empresas têm recorrido aos chamados "balancetes de suspensão/redução". Por meio desse mecanismo, elas informam ao Fisco que optaram por recolher o imposto mensal sobre o lucro real e não despesa bruta. "Na crise, essa modalidade cresce", explica Pedro César da Silva, sócio-diretor da Athros Auditoria e Consultoria.
As grandes empresas podem mudar a forma de recolher impostos a cada mês. Ou o fazem pela receita bruta, ou pelo lucro real. "E elas sempre escolhem o que representa o menor pagamento mensal", pondera Silva. Se ao fim do ano ficar caracterizado que elas recolheram menos que o devido, elas apontam isso na declaração de ajuste e pagam a diferença. "E esse recolhimento adicional é feito sem acréscimos", diz o consultor.
Essa hipótese (de menor recolhimento presente para futura compensação) é apontada pelo documento da receita como uma das razões da queda expressiva de arrecadação. "Essas empresas podem, no entanto, ajustar seus recolhimentos ao resultado efetivo e expectativas, por meio dos balancetes de suspensão/redução, deixando maior proporção dos pagamentos eventualmente para a declaração de ajuste no final do período. Na esteira da suspensão, pode-se verificar significativa redução dos impostos pagos", afirma a nota da Receita.
Outra possibilidade é um pagamento inferior de forma deliberada. Se a empresa recolher menos, e a Receita perceber e autuar a empresa, ainda assim o custo financeiro de atrasar o pagamento de tributos atualmente é inferior ao custo de captar recursos no mercado financeiro, acrescenta Silva.
Outro motivo apontado por advogados tributaristas para justificar a queda na arrecadação neste ano é a recorrência com que o governo cria programas do tipo Refis, que garantem perdão de multas e parcelamento dos débitos tributários a perder de vista. "Para o contribuinte, torna-se cada vez mais uma alternativa válida, segura e até vantajosa não recolher os tributos, para proteger o caixa", diz Fábio Martins de Andrade, sócio do Andrade Advogados, ressaltando que esse comportamento se espalha em momentos como o atual, de crise, em que os empresários alegam que deixam de contribuir por "necessidade".
Afonso chama atenção para a queda da arrecadação de IR e CSLL dos grandes contribuintes, que chega a 28% em junho sobre junho do ano passado, enquanto nas demais empresas (que recolhem pelo lucro presumido), a queda é de 10%. "Os lucros estão caindo, mas esses dois dígitos sugerem que a crise na arrecadação está nos grandes contribuintes, que transformaram a Receita no acerto deles de crédito. É uma bola de neve. E quanto mais contribuintes pararem de pagar imposto, mais inevitável será fazer um novo Refis", diz.
Outro tributarista, que falou sem se identificar, confirma que isso está acontecendo. Ele conta que apenas nos últimos dias recebeu consulta de dois de seus clientes para confirmar boatos de que haveria um novo Refis e que, portanto, eles pretendiam deixar de recolher os tributos e aguardar um novo programa de parcelamento. Nesses casos, explica o especialista, o mais comum é que as empresas recolham o IR devido na fonte, para evitar o crime de apropriação indébita, mas deixem de pagar o restante.
Site: Valor Econômico
Data: 20/07/2015
Hora: 5h
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Autor: Denise Neumann e Fernando Torres
Link: http://www.valor.com.br/brasil/4141114/empresa-adia-tributo-e-derruba-arrecadacao