Participar de um colegiado que tem como premissa central a formulação de propostas para o desenvolvimento científico e tecnológico do País, por si só já seria uma grande honraria. Mas quando se trata de um grupo restrito de pessoas que integram o Conselho Deliberativo da “Casa do Cientista”, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), além de um reconhecimento, é uma grande responsabilidade.
É com este sentimento que o executivo de Pesquisa e Inovação do Instituto Eldorado, Arthur João Catto, assume uma das cadeiras deste grupo composto por 18 atores oriundos do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCTI). Engenheiro civil formado pela Universidade de São Paulo (USP), com doutorado em Ciência da Computação pela Universidade de Manchester, do Reino Unido, Catto ainda coleciona passagens como gestor de entidades do setor. De 1988 a 1999, presidiu a Fundação Centro Tecnológico para Informática (CTI) e, de 1999 a 2013, foi superintendente do próprio Eldorado.
À Agência Gestão CT&I, Arthur João Catto fala sobre o convite para participar do conselho deliberativo do CNPq e faz uma análise do SNCT - Foto: Unicamp
Toda esta bagagem o faz se definir como “um profissional de raiz tecnológica”. É exatamente esta faceta que ele quer levar para dentro do Conselho. Em entrevista à Agência Gestão CT&I, Catto faz uma análise do SCTI, explica como deverá ser a sua atuação no CD do CNPq e aponta caminhos para ampliar o desenvolvimento tecnológico brasileiro.
Como é fazer parte do colegiado considerado a maior instância de poder decisório do CNPq?
É uma honra, porque o CNPq é um órgão de extrema importância no SNCTI. O Conselho é pequeno, se você considerar a abrangência do órgão, e isso faz aumentar muito a responsabilidade daqueles estarão sentados lá. Quero contribuir. Acredito que eu aprenderei muito. Por maior que seja a nossa experiência, ela acaba sendo sempre setorial. É difícil você desenvolver ao longo da via profissional uma visão totalmente abrangente do que está acontecendo e, no CNPq, você não tem só uma abrangência temática, como tem uma abrangência geográfica. Então, é realmente um desafio e tanto.
O que pretende levar ao Conselho?
O primeiro momento é de aprendizado. Você tem que ver quais temas estão na mesa e aí a abordagem é de levar uma visão de um profissional de raíz tecnológica. No Brasil existe uma concentração de esforços em torno da produção científica. A tecnologia, no entanto, sempre foi tratada como a irmã mais pobre nessa relação. A forma de atuar vai depender muito do estado em que esta discussão estiver na mesa. Pode ser que haja barreiras a superar, e pode ser que não existam e seja apenas uma questão de aprofundar temas.
Hoje, existe uma grande distância entre a produção científica no País e o desenvolvimento tecnológico. Como fazer para diminuir essa diferença?
Existem alguns fatores responsáveis por esse distanciamento. Se analisar estudos relativos a potencial econômico e densidade demográfica, identificará que existe um número limitado de regiões metropolitanas do Brasil que concentram uma grande proporção do PIB [Produto Interno Bruto] e da população. Poucas dessas regiões têm presença científica e tecnológica relevante. Há um estudo, do fim de 2012, mostrando que 13 regiões do País são responsáveis por mais de 60% da soma de todas as riquezas do Brasil. Dentro desse montante, contudo, apenas nove tem atividades importantes no setor de CT&I. Sem contar que nem todas têm setor produtivo ativo.
Ainda assim, quando você olha que mesmo nos lugares onde há empresas, há uma predominância por multinacionais que têm suas atividades de pesquisa e desenvolvimento sendo realizadas na matriz. Dificilmente se delega competência para subsidiárias. Essas coisas vão nos emperrando. Elas dificultam a nossa vida.
Sobre esta dificuldade das atividades de CT&I nos estados, existe um pacto para que cada unidade federativa conseguisse, em determinado tempo, investir ao menos 2% da receita líquida. Isto seria suficiente?
Quando você olha a proporção de investimentos em valor absoluto, ou seja, o que realmente foi feito ou está sendo feito, esses recursos deixam a desejar em boa parte do Brasil. Minha maior preocupação é que esses esforços regionais fiquem dependentes dos aportes realizados pelo governo federal. Mesmo que exista o investimento federal, se não houver uma vontade local, você tem uma desconexão entre o investimento que é feito em um plano federal, e a vontade local, ou a disposição local , mesmo a capacidade de percepção local. No Brasil, por diversas vezes, essas coisas acontecerem. Você semeia, mas a terra não está preparada. O pessoal não irriga a semente da forma como deveria. Esse é um desafio enorme, porque, em uma época de recursos escassos, você não pode se dar ao luxo de perder investimentos dessa natureza.
Como convencer os governantes a investir em CT&I, mesmo em tempos de crise financeira?
Acredito que este tópico há um espaço imenso para o diálogo. Ao longo dos últimos anos, o Brasil caminhou para se tornar um exportador de commodities ou de produtos manufaturados de baixo valor agregado. A gente entra muito pouco no segmento de alta tecnologia. Não são muitas as empresas nacionais que exportam produtos com este viés. Isto nos coloca em um equilíbrio difícil, porque você precisa exportar uma quantidade absurda de commodities para comprar um pouco de tecnologia. Esse discurso tem que ser levado para dentro (do Conselho).
Acredito que temos que fazer dois esforços simultâneos. Primeiro, é aproveitar o potencial já desenvolvido. O segundo é interiorizar esse potencial também. Agora, não dá só para fazer uma coisa ou outra. Se você só investir em um potencial já desenvolvido, você não interioriza e criará um fosso cada vez maior entre as unidades federativas. Por outro lado, se você falar que vai primeiro interiorizar para depois mudar o perfil da exportação, também não vai funcionar, porque esse processo não vai ser rápido, vai passar por níveis de absorção e de comprometimentos muito variados. Por isso, é necessário não separar estas políticas.
Atualmente, o mundo tecnológico não caminha, ele voa. A demora pelo convencimento de que é preciso investir em CT&I poderá resultar em atrasos. Como dar um salto tecnológico neste ambiente?
A velocidade com que o cenário muda atualmente é uma outra situação que me atormenta. Antigamente falávamos assim: “Ah, tivemos uma década perdida”. Quando o mundo andava em uma velocidade mais lenta, talvez perder uma década era algo recuperável. Essa história mudou. Você tem desenvolvimento tecnológico em diversas áreas acontecendo de maneira muito acelerada, mesmo aquelas que se desenvolviam mais lentamente no passado, hoje, com a tecnologia, elas progridem a passos muito largos e a gente não se pode dar ao luxo de falar que perdemos uma década, ou mesmo cinco anos. Isso pode abrir um fosso irrecuperável para a gente.
A gente sabe que o Brasil está em um momento difícil. Estamos pressionados por uma crise econômica e política, mas precisamos nos posicionar, porque o mundo não vai ficar esperando pela gente. A própria superação de algumas destas dificuldades que estamos enfrentando passa por um investimento mais rápido, na busca por respostas imediatas, para você conseguir manter a roda em movimento.
Ao que se refere ao trabalho no conselho do CNPq, pretendo alargar a minha visão geográfica e com isso contribuir para identificação de problemas, as fraquezas que nós temos. A partir dessa análise, colocarei à disposição a minha experiência profissional e acadêmica para levar sugestões que possam equacionar estas dificuldades.
Site: Agência Gestão CT&I
Data: 10/08/2015
Hora: 10h02
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Autor: Leandro Duarte
Link: http://www.agenciacti.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=7771:de-raiz-tecnologica-novo-membro-do-conselho-deliberativo-do-cnpq-quer-fortalecer-o-segmento&catid=1:latest-news