Você sabe quanto custam as notas que você carrega na carteira? Não, não é quanto você tem em notas na carteira, mas quanto estas notas custam para a economia do país. Sim, para produzir, armazenar, proteger, transportar e até para processar outros papéis, como o cheque. Um estudo realizado pela Moody's Analytics em 70 países (The Impact of Electronic Payments on Economic Growth) revelou que o dinheiro em espécie é um enorme fardo, que impacta principalmente as sociedades que ainda não alcançaram o desenvolvimento pleno.
Na Rússia, por exemplo, o custo do dinheiro chega a 1,1% do PIB, contrastando com países como Suécia, onde o custo é de 0,29% e a Finlândia, com 0,1%. A realidade brasileira tem também um cenário alarmante: 70% dos pagamentos feitos pelos consumidores são realizados em dinheiro em espécie, contrastando com 20% de países como Coréia do Sul e Canadá. O outro lado da moeda é a troca do dinheiro em espécie pelo uso intensivo de meios eletrônicos de pagamento. O estudo da Moody's estima uma injeção de quase 300 bilhões de dólares na economia mundial feitas pelos 70 países participantes. E, além de impulsionar o crescimento econômico, o pagamento eletrônico proporciona inclusão financeira, reduz a economia informal e viabiliza o comércio digital, criando um ciclo virtuoso de redução do uso do dinheiro em espécie.
Os caminhos para que esta transformação aconteça passam por três pilares: governo, investimentos e tecnologia. O governo é um dos principais beneficiados e exerce papel fundamental, viabilizando políticas que tragam incentivos tanto para consumidores quanto para estabelecimentos comerciais, como, por exemplo, a redução de impostos. Nosso vizinho Uruguai mostra que o point of sale (POS), a máquina onde passamos os cartões, foi usado como instrumento para unir consumidores e estabelecimentos comerciais no desincentivo ao uso do dinheiro. Os consumidores recebiam créditos de impostos para usar no próprio estabelecimento comercial onde tinham feito pagamentos por meio de POS, provocando um aumento de 50% no parque de máquinas instaladas no país.
E a própria indústria de pagamentos também deve fazer a sua parte, proporcionando investimentos para aumentar a taxa de aceitação dos meios eletrônicos através de ações como a redução de taxas ou a alocação de um percentual da receita para a composição de um fundo. Na Rússia, por exemplo, a Visa conseguiu aumentar expressivamente a aceitação em supermercados com um programa que reduzia a taxa progressivamente de acordo com o volume processado.
A tecnologia, por sua vez é o maior aliado desta transformação e já proporciona o aparecimento da chamada "cardless society" com destaque para os países nórdicos. A Suécia alcançou este patamar com uma estratégia baseada em três estágios evolutivos. O primeiro começou no já longínquo ano de 1980 onde os bancos se uniram em um esforço para incentivar o uso de ATMs, fornecendo um cartão de débito gratuito para todos os correntistas e conseguindo atingir mais de 90% do público alvo (maiores de 18 anos). O segundo estágio começou em 1995, focando em migrar o público do ATM para o POS. Para quem já estava acostumado a usar um cartão nos ATMs foi fácil a transição para uso no POS, estimulado por um cartão de débito gratuito oferecido pelos bancos. O terceiro estágio, que começou em 2010 e segue em andamento, foca em eliminar a possibilidade de saque, que por um lado diminui drasticamente o número de ATMs nas agências e por outro leva os ATMs para dentro de grandes redes de lojas para novamente incentivar o uso do cartão no POS.
O papel da tecnologia nos meios de pagamento ganhou tanta importância que se tornou a essência da própria indústria. As grandes bandeiras Visa e Mastercard passaram a atuar como empresas de tecnologia e focam seus esforços para evoluir os pagamentos eletrônicos para digitais. E o motor desta nova revolução será a UX-User Experience com soluções fáceis e intuitivas, que rapidamente possam se encaixar no dia a dia atribulado das pessoas. A biometria, por exemplo, está chegando como um componente de segurança, que irá substituir as malfadadas senhas por algo que ao mesmo tempo é único de cada indivíduo e muito fácil de usar como a impressão digital e o reconhecimento facial.
Nesta mesma linha de facilitar o dia a dia outra tecnologia que deve estrear nos jogos olímpicos do Rio é a MLC-Mobile Localization Confirmation, que confere se a localização POS é a mesma do seu Smartphone e, assim, elimina a necessidade de você avisar o banco emissor quando for viajar (e o constrangimento de uma recusa de pagamento por falta deste aviso). E, se o ator principal é o usuário do cartão, nada mais natural do que colocá-lo no comando das ações controlando como, quando e onde o seu cartão será usado. Tudo isto "powered by Analytics", tecnologia que avança a passos largos com a adoção de estratégias de Big Data pela indústria de meios de pagamento.
E no Brasil?
O Brasil ainda tem um cenário de contrastes para alavancar o desincentivo ao uso do dinheiro. Quando o assunto é tecnologia estamos entre os primeiros do mundo criando inovações com grande poder de transformação, como os cartões com chip que se tornaram benchmarking e estão sendo adotados em escala mundial. Mas, por outro lado, ainda esbarramos em problemas estruturais que não são exclusivos dos meios de pagamentos.
Estudo do Banco do Brasil, para entender porque os correntistas usam um cartão de débito para sacar dinheiro nos ATMs, mostra que a educação é a raiz dos problemas. Os motivos que levam ao saque consideram a preocupação com a perda de controle do saldo com o dinheiro em conta e a preferência por pagamento de contas em casas lotéricas, por aceitarem boletos atrasados e grampearem o comprovante na conta.
Mesmo com desafios tão profundos, estamos evoluindo. Números do Banco Central mostram que os valores movimentados triplicaram entre 2008 e 2015, alcançando 1 trilhão de reais. Patamar significativo que também mostra o tamanho do desafio: ainda existe outro trilhão de reais sacado dos ATMs. A boa notícia é que a própria indústria assume um papel protagonista nesta transformação. A ABECS (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços) formulou um plano para o setor, com objetivo de aumentar a formalização da economia através do uso intensivo de meios de pagamento eletrônicos, o que pode gerar um incremento de 6% na arrecadação federal. Foi usado como benchmarking a situação da Coréia do Sul, quando aquele país vivia um momento econômico complicado como o nosso. A proposta é a criação de um grande programa com incentivos fiscais, tanto para consumidores quanto para estabelecimentos comerciais "aumentando a equidade tributária e criando um ambiente de negócios mais saudável para investimentos do ponto de vista competitivo".
Passar a ser uma cashless society não é uma opção, mas sim um objetivo que deve ser perseguido por todos: indústria, governo e sociedade. Na próxima vez que você for sacar dinheiro lembre-se disso. Será que você precisa mesmo dessas notas na carteira? Ou o mesmo cartão que você vai usar para o saque pode fazer os seus pagamentos em um meio eletrônico ou, então, em um meio digital? Faça a sua parte e ajude a derrotar este vilão!
*Evandro Freitas é estrategista digital da CI&T.
Site: CIO
Data: 07/04/2016
Hora: 7h
Seção: Tecnologia
Autor: Evandro Freitas
Foto: ——
Link: http://cio.com.br/tecnologia/2016/04/07/a-economia-tem-um-novo-vilao-o-dinheiro/