Convencido por um ótimo plano de negócios apresentado pela empreendedora Maria, João resolve investir R$ 50 mil no projeto de um novo aplicativo para celular. Executivo aposentado da área de tecnologia, ele se torna sócio do projeto com uma pequena participação. Nesta sociedade limitada, quatro desenvolvedores são contratados para pôr o serviço no ar. O aplicativo cai no gosto dos usuários. Tudo vai bem, até que um desenvolvedor pede demissão e cobra horas extras e indenizações rescisórias na Justiça. Como a empresa não tem recursos para arcar com os custos, o juiz vê no patrimônio de João uma forma de ressarcir o funcionário. O sonho de tornar-se investidor, obter retorno e desenvolver algo bom para a sociedade, agora, representa um monte de problemas.
Startups estão na moda. Toda hora surgem histórias de jovens empreendedores com uma boa ideia e ambição por crescimento, que criam empresas de milhões ou até bilhões de reais. Um grande ecossistema alimenta o fenômeno, ao envolver centros de inovação, incubadoras, aceleradoras, redes, grupos de desenvolvimento e eventos com nomes divertidos como “boot camp”, “hackathon”, “challenge cup”, “demoday”, “innovation show” ou “start-up journey”.
Uma parte fundamental da equação passa por pessoas, ou instituições, que acreditam no sonho e aportam recursos às ideias. O primeiro grupo envolve, geralmente, o que é chamado em inglês de “Triple F”: “founders” (fundadores), “family” (família) e “friends” (amigos) – maldosamente, alguns especialistas acrescentam um quarto “F”, fools” (tolos), aqueles que embarcaram no projeto. Depois, surgem os investidores-anjo, que esperam obter altos retornos e trazem dinheiro, conhecimento, relacionamento e experiências prévias. Quando a aventura empreendedora começa a ficar mais séria – e com valores maiores comprometidos – podem aparecer problemas para esse investidor.
Alguns problemas não estão ligados diretamente ao negócio, pois o empreendedorismo pressupõe doses de risco ao tratar de projetos de inovação. Os problemas estão nos tortuosos corredores dos tribunais brasileiros e pouco tem a ver com condições de mercado ou características de produtos.
Apesar de termos modelos legais que separam o empreendimento da responsabilidade dos sócios, nossos tribunais colecionam casos em que não há essa separação em disputas nas esferas cível, fiscal e trabalhista. Além do problema com funcionários, o João poderá ter problemas fiscais, em razão de dívidas passadas dos seus sócios, e mesmo cíveis, por algum dano moral gerado por alguém da empresa.
Empreender é algo desejado, incentivado, importante para o desenvolvimento do País e depende de pessoas que acreditem e invistam nos projetos. Nossa conjuntura jurídico-legal, porém, não facilita muito a vida dessas pessoas. A melhor alternativa disponível tem sido reunir-se para trocar experiências e realizar investimentos em grupos, para reduzir riscos e isolar melhor os investidores dos seus projetos de investimento.
O fictício Sr. João infelizmente é baseado em um caso real. Ele aprendeu a lição e resolveu participar de uma rede de investidores-anjo. Hoje em dia, prefere investir por meio de dívida conversível em participação como forma de reduzir sua exposição aos problemas em tribunais. Não fossem os corredores tortuosos da Justiça, certamente, o Sr. João poderia motivar o desenvolvimento de mais start-ups e, com isso, estimular o empreendedorismo no Brasil. Felizmente, ele ainda não perdeu a vontade de continuar investindo.
(*) Ricardo Engelbert é diretor do Departamento de Empreendedorismo e Inovação do ISE Business School. Doutor em Administração
Site: CIO
Data: 22/04/2016
Hora: 9h18
Seção: Opinião
Autor: Ricardo Engelbert
Foto: ——
Link: http://cio.com.br/opiniao/2016/04/22/empreender-investir-sofrer-e-sobreviver/