Dois anos depois de o Marco Civil da internet ter sido sancionado, entra em vigor, hoje, a regulamentação do texto, considerado uma espécie de "Constituição" da web no Brasil. Preparada pela presidente afastada Dilma Rousseff às vésperas de deixar o posto, a regulamentação detalha pontos como a neutralidade de rede e a proteção dos dados pessoais dos internautas.
A entrada em vigor da regulamentação salienta um aspecto a que poucos prestaram atenção até agora: a legislação não afeta apenas empresas como Google, Facebook, Twitter e Netflix. Qualquer companhia que tenha algum nível de interação com internautas batepapo, área de comentários, cadastro etc - deve se adaptar às regras. "Quase todo mundo se encaixa no conceito de provedor de aplicação de internet [previsto no Marco Civil]", diz o advogado Rodrigo Azevedo, do escritório Silveiro Advogados. As empresas, lembra o especialista, são obrigadas a manter o registro dos acessos feitos aos seus sistemas por um período de seis meses.
O princípio da "guarda de dados" foi estabelecido para que seja possível identificar os autores de crimes cometidos na rede. Quem se sente ofendido, ou sofre algum prejuízo por conta de um comentário ou conteúdo publicado, pode pedir na Justiça que o site no qual a postagem foi feita retire a informação do ar e forneça dados como o dia e o horário da postagem, além do número do IP (a identidade de quem navega na internet) do autor do conteúdo.
Redes sociais e sites de compartilhamento de conteúdo são os destinos mais comuns para esse tipo de publicação, mas pode acontecer de o comentário ser feito na página de uma empresa do setor de bens de consumo, por exemplo. Se isso ocorrer, a companhia é obrigada a colaborar com a Justiça. Caso não forneça as informações, pode sofrer punições como multa de até 10% sua receita no Brasil. Além de revisar os termos e políticas de seus sites e serviços, as empresas podem, eventualmente, ter de gastar para adaptar seus sistemas.
Segundo Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-Rio), a regulamentação acaba com as dúvidas sobre a aplicação da regra da guarda de dados. Algumas empresas, e até tribunais, avaliavam que era necessária a regulamentação para que a regra começasse a valer. Agora, essa questão fica superada.
Outro ponto importante, diz o especialista, é a exigência de que empresas que trabalham com dados de internautas mantenham um registro detalhado de que funcionários acessaram as informações e quando o fizeram. O objetivo é proteger a privacidade dos usuários, impedindo a manipulação indiscriminada dos dados. Para as companhias, no entanto, a medida acarreta um custo adicional de software e operação, principalmente entre as empresas iniciantes, observa Affonso.
Para José Eduardo Pieri, advogado da área de propriedade intelectual do escritório Barbosa, Müssnich, Aragão, a regulamentação do Marco Civil é positiva por trazer definições como o que significa tratamento de dados pessoais e o que dados estão sujeitos à proteção por parte dos provedores de aplicação. Ele avalia, entretanto, que ainda permanecem abertas algumas lacunas, que só serão preenchidas com a Lei de Proteção de Dados Pessoais. O projeto foi enviado por Dilma ao Congresso com urgência constitucional há um mês, e precisa ser avaliado nos próximos 60 dias.
Fábio Pereira, sócio da área de propriedade intelectual do Veirano Advogados, diz acreditar que, apesar da regulamentação, ainda haverá discussões sobre as aplicações do Marco Civil. Ele cita a falta de menção à oferta de pacotes com acesso limitado na internet fixa pelas operadoras e o próprio conceito de neutralidade de redes. "Está bastante claro que não é possível privilegiar um conteúdo em detrimento de outro, mas vão continuar havendo interpretações por parte das operadoras", afirma.
Site: Valor Econômico
Data: 10/06/2016
Hora: 5h
Seção: Tecnologia
Autor: ——
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Link: http://www.valor.com.br/empresas/4595833/regulamentacao-do-marco-civil-entra-em-vigor-apos-dois-anos