Esse é o quarto artigo da série de cinco sobre Blockchain. Já no anterior (aqui) apontávamos que blockchain tem alto potencial de provocar rupturas e não deve ser subestimado. Nesse vamos abordar seu uso em diversos setores. Por ser um conceito ainda relativamente desconhecido, tende a ser subestimado e, claro, ainda existe muito ceticismo ao seu redor. Tudo que é novo embute insegurança, desconfiança e ceticismo, principalmente quando esse novo é ameaça ao modelo mental e aos modelos de negócios predominantes.
Vamos olhar os bancos. Já vemos muitos bancos ao redor do mundo procurando entender o que é Blockchain e o impacto nos seus negócios atuais. Na prática essas experimentações são ainda uma pequeníssima abertura na porta para verem o que está acontecendo, e tentarem controlar, pelo peso de sua influência nos órgãos reguladores, o ritmo de disseminação do conceito no setor. Indiscutivelmente, as inovações baseadas em Blockchain vêm de startups e nem sempre é possível (e muito menos fácil) para um banco adotar internamente uma inovação criada por startups. São animais bem diferentes.
Uma proposta que alguns bancos vêm adotando é criar uma aceleradora e procurar incorporar as inovações criadas por elas dentro de casa. Na minha opinião isso dificilmente vai dar certo, pois para as gigantescas e burocráticas organizações que são os grandes bancos, uma aceleradora é como um zoológico, e as startups são como animais bonitos, mas selvagens, que eles não conseguirão domesticar a ponto de colocar dentro de casa.
Não é apenas uma questão de incorporar uma nova tecnologia ou ideia inovadora, mas de choque cultural. Um exemplo é o fenômeno das FinTechs, que exploraram o espaço deixado pelo conservadorismo dos bancos, entrando em territórios não aproveitados ou negligenciados por eles. Outro exemplo foi a criação, anos atrás, do PayPal, que explorou um gap nos serviços oferecidos pelos bancos. O PayPal provou que serviços alternativos aos oferecidos pelos bancos são sim, viáveis. Na sua esteira começaram a proliferar as FinTechs. Surgiu o ApplePay e outros Pay...todas iniciativas que começam a corroer, em maior ou menor grau, os serviços tradicionais dos bancos.
Aqui no Brasil, ao mesmo tempo que as FinTechs começam a ganhar corpo e o fenômeno dos bancos digitais já desponta, oferecendo serviços mais flexíveis e ágeis a custos menores, os bancos tradicionais fazem o caminho inverso, aumentando suas tarifas, sem contrapartida de melhoria em seus serviços. Realmente não acreditam que as FinTechs decolarão. Bem, o tempo dirá se eles estão certos... Creio que aqui se aplica perfeitamente a brilhante frase de Clayton Christensen, autor do livro “Innovator´s Dilemma” : “The worst place to develop a new business model is from within your existing business model”.
O Blockchain deve seguir o mesmo caminho das FinTechs. No fim de 2015 o mundo já tinha 268 startups financeiras baseadas em Blockchain. Clique aqui para conhecê-las.
Enquanto as FinTechs se concentram nos serviços de pagamento, o Blockchain tem o potencial de ir direto ao coração e as artérias dos bancos! Não, os bancos não acabarão. Mas perderão relevância (tenderão a ficar no backend dos processos financeiros, se distanciando dos clientes e em consequência, com menores chances de cross-selling para seus clientes) e terão que dividir o espaço que hoje dominam com outras empresas. E quem sabe essas não serão startups de Blockchain, subestimadas hoje, mas que decolem como WhatsApp, Airbnb, Uber e Amazon AWS decolaram em outros setores, abocanhando espaço das poderosas empresas já existentes?
Que opções os bancos têm? A meu ver: a) podem ficar inertes e esperar para ver no que Blockchain vai dar, e então correr atrás; b) de forma proativa buscar analisar onde e como o Blockchain poderá ajudá-los a melhorar seus serviços e a criar outros; ou c) se reinventar. Creio que a imensa maioria se concentrará em (a) e (b)...
Mas Blockchain vai muito além dos bancos
O potencial de ruptura da tecnologia é grande, inclusive ameaçando os antigos intermediários que mantém modelos de negócios tradicionais baseados em garantia de confiança, como tabeliões e autoridades públicas de registro de automóveis, casamentos, propriedades, patentes, passaportes, registros médicos, entre outros.
Uma olhada na experiência do BitNation mostra o potencial de mudanças que poderá vir a ocorrer. Provavelmente, veremos as primeiras iniciativas aparecendo nas adjacências dos negócios tradicionais (foi assim que a web começou, lembram?), ocupando o espaço todo depois, deslocando e fechando negócios que não mais acompanham a velocidade de uma sociedade digital.
Um tabelião, por exemplo, como existe hoje, é uma relíquia burocrática que não tem porque sobreviver no século 21. De imediato, pode parecer uma ideia absurda. Mas se começarmos a pensar no conceito de DAO(Distributed Autonomus Organization), talvez a ideia faça sentido. Em 1997 ninguém sequer imaginava que poderíamos ter apps e praticamente tudo que precisamos fazer digitalmente na palma de nossa mão, com um smartphone.
Exemplos de aplicações Blockchain? Que tal um eventual substituto do Uber, como o La´Zooz? Ainda é uma experimentação, mas pode ser a ponta do iceberg. Vale a pena ler o texto “La'Zooz: The Decentralized, Crypto-Alternative to Uber”. Ou armazenamento distribuído, como proposto pelo Maidsafe?
Vamos em frente. Governança e votação em conselhos de administração? BoardRoom. Gerenciar carga de bateria de veículos elétricos é a proposta da RWE, empresa de energia alemã. A experiência pode ser lida no texto “Why a German Power Company is Using Ethereum to Test Blockchain Car Charging”. E até para coisas aparentemente impensáveis, como reduzir ou eliminar corrupção nas transações governamentais, como propõe o governo da Ucrânia. Vale a pena ler “Ukraine to use blockchain technology in curtailing corruption when selling government assets”. E em saúde? “Blockchain in healthcare: From theory to reality”.
Claro, ainda são apenas startups e experimentações. Mas, a web começou assim e hoje é uma camada eletrônica indispensável à nossa sociedade. Nos próximos anos veremos se Blockchain é apenas um hype ou um tsunami que vai redesenhar muitos negócios atuais. Minha percepção é que será um tsunami...
(*) Cezar Taurion é CEO da Litteris Consulting, CEO da ThinPost e autor de seis livros sobre Open Source, Inovação, Cloud Computing e Big Data
Site: CIO
Data:15/08/2016
Hora: 8h07
Seção: Tecnologia
Autor: Cezar Taurion
Foto: ------
Link: http://cio.com.br/tecnologia/2016/08/15/exemplos-de-aplicacoes-blockchain-sao-muitas-e-variadas/