Há alguns anos o Gartner criou o conceito de TI bimodal. Outras consultorias começaram a falar do mesmo conceito e na época achei a ideia interessante. Mas refletindo melhor, e depois de algumas experiências, muitas conversas com CIOs e a leitura de três livros que considero essenciais _ “The Fourth Industrial Revolution”, de Klaus Schwab, chairman do World Economic Forum, “Exponential Organizations: Why new organizations are ten times better, faster, and cheaper than yours (and what to do about it)”, publicado pela Singularity Unversity e “Digital Vortex: How Today's Market Leaders Can Beat Disruptive Competitors at Their Own Game”, do IMD, tenho certeza que o conceito simplesmente não funciona.
Já escrevi a respeito aqui. O modelo bimodal, que mantém um sistema duplo no qual as empresas constroem lentamente a estabilidade dos sistemas de backoffice, enquanto lançam rapidamente produtos digitais, não atende mais as demandas dos negócios e os processos e mudanças organizacionais do mundo digital, como exigido pelas transformações aceleradas que vivemos. A velocidade das mudanças exige respostas rápidas. As empresas têm que se reinventar no mundo digital e devem se adaptar continuamente em um mundo cada vez mais complexo, volátil, cheio de incertezas e ambiguidades, que será o novo “business as usual”.
Por que as consultorias criaram e incentivaram esse modelo? De maneira geral a as consultorias não podem se posicionar muito à frente do pensamento dos seus clientes corporativos. Elas se posicionam como uma lanterna que os guia em um caminho escuro, iluminando apenas uns passos à frente. No fundo as consultorias, para não bater de frente com o pensamento dominante entre seus clientes, acabam dizendo o que eles querem ouvir e não necessariamente o que eles deveriam ouvir. Esse artigo é bem instigante, e deve ser lido: “Bimodal IT: Gartner's Recipe For Disaster”. Por isso, não iluminam toda a estrada, pois seria assustador para os seus clientes. As empresas querem ouvir que podem adotar tecnologias disruptivas sem muita disrupção em seus modelos, processos e estruturas organizacionais, e muito menos em mudanças em seus modelos de negócios. Os fornecedores de tecnologia que também têm a maior parte de suas receitas oriundas de hardware, software e serviços para sistemas legados incentivam ardorosamente esses conceitos de mudanças graduais e lentas. Na verdade, eles também não conseguem fazer as suas próprias mudanças de forma rápida.
Infelizmente, o modelo de TI bimodal reforça a mensagem que os clientes corporativos querem ouvir, que as disrupções podem ser controladas e adotadas gradualmente. Mas acaba gerando procrastinação e atrasando a velocidade da empresa em fazer sua transformação de negócios. A consequência?
O mundo está em transformação e essa transformação é exponencial. Em 2011, um estudo do Babson´s Olin Graduate School of Business previu que, em dez anos, 40% das empresas da lista Fortune 500 não existirão mais. Um outro estudo, da Yale, mostrou que a vida média das empresas S&P 500 decresceu de 67 anos nos anos 20 do século passado para 15 anos nos dias de hoje. Portanto, a questão é: não existe garantia nenhuma que o sucesso alcançado, solidez de marca, base de clientes, market share e resultados financeiros positivos de hoje sejam suficientes para a sua sobrevivência em 5 anos. Uma frase de David Rose, autor do “Angel Inevsting: the gust guide to making money and having fun investing in startups” é emblemática desse cenário: “Any company designed for success in the 20th century is doomed to failure in the 21st”. Temos, portanto, dois caminhos. Agir ou ficar inertes, reforçando, com modelos mais conservadores, como o bimodal, a ideia mais cômoda de que podemos controlar o ritmo da disrupção em nosso setor de negócios?
Na prática, o modelo bimodal também mostra muitos problemas. Gera conflitos internos entre o grupo “moderno”, que desenvolve coisas inovadoras e desafiadoras, e o grupo que mantém o dia a dia, preso à sistemas e tecnologias que começam a perder empregabilidade. Além disso, a empresa digital tem que ágil por natureza, de ponta a ponta, e não apenas em uma pequena parte, como em grupos isolados de DevOps, que desenvolvem aplicações de web e apps.
Para melhor compreender o conceito de empresa e TI ágil, recomendo a leitura do excelente artigo de Steve Denning, “Explaining Agile”. A TI tradicional adota conceitos de pensamento linear, onde o modelo waterfall predomina. Esse modelo funciona bem em um cenário de alta previsibilidade e razoavelmente imutável. Mas, hoje, em uma era de exponencialidades com disrupções acontecendo a cada dia, o cenário imprevisível torna-se a tônica. O modelo linear simplesmente não sobrevive em um cenário de mudanças exponenciais.
Assim, minha opinião é que deixemos de lado o bimodal ou no máximo o consideremos como um estágio intermediário para ser chegar a uma empresa e consequentemente uma TI ágil, mas em vez de ser uma mudança lenta e gradual, essa deve ser rápida e agressiva.
O que e como fazer?
Antes de mais nada é necessário criar uma cultura digital na empresa e por incrível que pareça também na TI! A transformação de uma TI linear ou bimodal em uma TI 100% ágil não acontece de um dia para o outro. A mensagem que a empresa e o CIO devem passar continuamente é que ágil é o futuro da organização.
Criar novos modelos de trabalho, redesenhar processos e definir metas agressivas para a transição reforçam a mensagem. Os patrocinadores dessa mudança devem ser não apenas o CIO, mas o CEO também deve estar profundamente engajado. Hackathons podem ajudar, mas desde que façam parte da estratégia de sinalizar essa mudança e não sejam apenas iniciativas isoladas, para mostrar que a empresa é “moderna” e “cool”. Hackathons, para valerem a pena, devem estar inseridos em um contexto estratégico com objetivos bem definidos, como impulsionar a mentalidade de agilidade e pensar “sem caixa como referência”. Caso contrário são apenas dinheiro e tempo jogado fora. Já abordei esse tema aqui.
O segundo pilar importante é juntar TI e negócios. Uma empresa e TI ágeis atuam em modelos de times cross-functional, com TI e negócios desenvolvendo atividades de forma colaborativa e integrada. Começamos a ver caírem os muros que sustentam organizações hierárquicas e isoladas em silos departamentais. Uma estrutura hierárquica emula uma máquina, sempre operando da mesma maneira. O resultado do engessamento, do método de comando-controle e do curto-prazismo pode ser observado no nível de satisfação dos funcionários, geralmente muito baixo. Uma pesquisa da Tower Watson, consultoria de RH em 2012, com 32 mil funcionários em 29 países mostrou que apenas 1/3 se mostraram realmente engajados com seu trabalho e a empresa, a despeito das premiações de “melhor empregador” e “melhor ambiente de trabalho” que pululam por aí. Estas empresas fazem o melhor que podem, mas é o modelo que não funciona mais. Por que não olhar uma organização como um ser vivo, em constante evolução e adaptação, aprendendo e agindo de forma diferente a cada novo aprendizado? Também já debati esse assunto aqui.
O terceiro pilar a ser considerado são os talentos para essa mudança. Quem atua em sistemas legados tem grande conhecimento do negócio e, portanto, tem muito a contribuir. Dentro deles tem muitos que estão ansiosos por trabalharem de forma mais ágil e com tecnologias inovadoras. Com o modelo ágil, algumas funções tendem a desaparecer como os profissionais encarregados de fazerem testes, comuns nos modelos waterfall, mas surgem outras funções como “product owners”. Esses profissionais são de suma importância e devem ser escolhidos cuidadosamente. Recomendo a leitura de um artigo que aborda esse detalhe, do BCG, “Agile Development’s Biggest Failure Point—and How to Fix It”.
O ambiente tecnológico é o quarto pilar. Os princípios ágeis devem ser adotados em todos os projetos da empresa, mesmo nos legados. O “Agile Manifesto” deve ser o mantra da empresa e da TI, e seus princípios filosóficos devem direcionar todas as ações. Para isso é necessário uso de tecnologias em todos os aspectos do desenvolvimento de software. A automação do máximo de tarefas é essencial para a TI ser realmente ágil.
E finalmente, implemente os conceitos ágeis de forma ágil! A transformação para uma empresa ou TI ágil não é apenas tecnologia. Trata-se de uma nova maneira de pensar. É um princípio mais colaborativo, mais aberto, mais criativo, e muito mais eficiente do que os outros modelos. E é um princípio que deve ser implementado em toda a empresa, e não apenas em um ou dois departamentos na área de desenvolvimento da TI.
Temos que reconhecer as diferenças de cultura, estilo e complexidade de se adotar uma cultura ágil entre uma startup exponencial e uma empresa com dezenas de milhares de funcionários, com uma TI gigantesca, envolvida basicamente com sistemas legados, com forte e arraigada cultura linear. Ser ágil em desenvolvimento de apps não é igual a ser ágil em um mainframe. Também as barreiras aparecem quando as empresas têm grandes ERPs monolíticos, que dificultam a agilidade. São complexidades que precisam de uma forma ou de outra serem vencidas.
Não existe uma única receita que se adapte a todas as empresas. Cada uma escolhe o seu caminho, mas o importante é que agilidade seja seu objetivo a ser alcançado no menor espaço de tempo possível. TI Bimodal deve ser apenas um meio e não o fim da jornada.
Fonte: CIO
Data: 27/09/2016
Hora: 7h
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Link: http://cio.com.br/opiniao/2016/09/27/bimodal-ja-era/