Está cada vez mais premente a necessidade das empresas começarem a transformação dos seus negócios, pressionadas pela velocidade das mudanças provocadas pela revolução digital. Muitos executivos com os quais converso demonstram claramente que sabem que ao longo dos anos suas empresas acabaram se acomodando, fazendo o que sempre fizeram, com apenas algumas melhorias incrementais. Sabem também que se continuarem aferrados a esse ritmo de mudanças graduais, suas organizações se tornarão irrelevantes com o passar do tempo. Entendem que é a própria sobrevivência do negócio que está em jogo e que a revolução digital permite mudanças revolucionárias e não apenas evolucionárias. Apostar continuamente no futuro passa a ser a regra do jogo.
Esses executivos não estão sozinhos. Uma pesquisa global da MIT Sloan Management Review apontou que 90% dos executivos entrevistados acreditam que suas industrias sofrerão rupturas significativas em poucos anos, mas apenas 44% se disseram preparados para enfrentar tal disrupção.
Um outro estudo corroborou esses resultados. Realizado pela Dell Technologies, o “Digital Business Research Index”, que ouviu mais de 4 mil executivos, mostrou que quase metade (45%) das companhias pesquisadas, teme que seus negócios se tornem obsoletos dentro dos próximos três a cinco anos. E 78% das deles enxergam as startups digitais como ameaça para sua organização. Mais da metade (52%) dos líderes de negócios vivenciaram uma interrupção significativa em seus setores nos últimos três anos, como resultado do advento das tecnologias digitais e da Internet das Coisas, e 48% das empresas globais não sabem como será seu setor daqui a três anos. Apenas uma pequena minoria está perto de concluir sua transformação.
Está claro que a evolução exponencial da tecnologia já está afetando de forma dramática o cenário competitivo. Em termos econômicos, quando as curvas de custo dos fatores primários de produção de uma indústria entram em declínio, as mudanças passam a ser inevitáveis. Hoje, indiscutivelmente, três fatores essenciais de produção se tornaram muito mais baratos e continuarão a baratear: informação, conectividade e poder computacional. Toda e qualquer indústria é afetada por esses fatores. Seja nas indústrias como a automotiva, com os veículos autônomos reinventando a própria indústria, seja nos setores de serviços como hoteleiro, financeiro ou seguros.
As empresas da era pré-Internet, típicas do modelo da sociedade industrial, construíram seus negócios baseados no conceito da escassez de informações, recursos de produção e distribuição, e alcance de mercado. As empresas pós-Internet foram construídas sob outro paradigma, onde os três fatores essenciais acima são abundantes e com isso geraram efeitos perturbadores no status quo do mercado. Um Airbnb não precisa de prédios, escassos e caros de construir, para hospedar pessoas. Foi um negócio construído por outra ótica, onde a abundância dos fatores como capacidade computacional e informações, permitiu criar um modelo de negócios em plataforma, agregando quem quer alugar um espaço com quem quer se hospedar.
A transformação digital provoca mudanças em todos os setores. Recentemente uma empresa tradicional, da chamada economia pré-Internet, a Unilever, comprou por um bilhão de dólares uma startup chamada Dollar Shave Club, fundada em 2012. Essa startup com menos de quatro anos de vida conquistou 5% de participação do mercado americano de lâminas de barbear. Com um modelo digital de venda direta por assinatura, no qual o cliente paga um pequeno valor mensal para receber um pacote de produtos, ela conseguiu alcançar 3,2 milhões de assinantes e um faturamento de mais de 150 milhões de dólares. Sem fazer nenhum investimento em propagandas nas mídias tradicionais como televisão. E de quem ela roubou essa fatia de mercado? Da gigantesca Procter & Gamble, dona da marca Gillete e com mais de 180 anos de vida. A P&G, mesmo com seus investimentos bilionários em P&D não conseguiu ter velocidade suficiente para competir no mundo digital, onde as regras do jogo são diferentes.
Porque essas coisas acontecem? Por que as empresas tradicionais ainda olham o mundo digital como apoio ao seu negócio e não como um fator essencial de produção. Clayton Christensen, autor de “Innovator´s Dilemma” disse uma frase emblemática, que sintetiza muito bem o contexto: “The worst place to develop a new business model is from within your existing business model”.
O cenário é desafiador e se preparar para um futuro digital não é fácil. Saber que a disrupção está batendo à porta é uma coisa. A dificuldade está em como enfrentá-la. Com que velocidade devo transformar meu negócio? Qual será a amplitude desta disrupção e como criar valor tangível com a digitalização da organização?
Algumas empresas estão conseguindo fazer as mudanças. Um estudo do MIT Sloan, “Aligning the Organization for Its Digital Future” mostra alguns caminhos. Segundo o estudo, as transformações que estão dando certo se baseiam em alguns pilares:
a) Criar uma cultura digital é um esforço intencional e não obra do acaso. Uma cultura digital não se cria apenas com slogans de “somos digitais”, e ao mesmo tempo continuar a manter os processos e as estruturas organizacionais da sociedade analógica. É um esforço de mudança de conceitos que precisa do comprometimento do CEO e dos demais executivos. Deixar a transformação digital por conta de um CIO, sozinho, em sua área de TI, como vejo acontecer em algumas empresas, simplesmente não vai dar certo. Ele não conseguirá mudar a cultura corporativa.
b) Todos os executivos precisam navegar bem no mundo digital. Impossível um CEO se comprometer com algo que não tenha um razoável domínio. Isso não significa em absoluto que ele vai escrever código de programas, mas que seja usuário entusiasmado de tecnologias. Os executivos e as lideranças no mundo digital devem ter skill de tecnologia (novamente, não precisam ser nerds!), mas fundamentalmente ter visão transformadora, ser visionário (forward thinker) e espírito de colaboração e liderança. Apenas o fato de um executivo ter excedido suas metas de vendas nos últimos quartis não é mais a qualificação prioritária para assumir uma liderança no mundo digital.
c) É absolutamente essencial investir em talentos digitais. O ambiente de trabalho hoje é totalmente diferente daquele do século 20. Os custos de experimentação e eventuais fracassos, devido aos fatores citados no início do post, são bem mais baixos do que antigamente. Um protótipo pode ser rapidamente feito em uma impressora 3D ou um novo e complexo código de sistemas pode ser feito em poucos dias. Uma mudança fundamental no algoritmo do AdWords do Google foi feito por cinco engenheiros de software em um fim de semana.
Na prática, o que isso significa? Ser rápido implica que projetos muito grandes, com timelines e budgets fixos, como as antigas implementações de ERP, não tem mais lugar em um cenário de negócios altamente volátil, incerto, complexo a ambíguo. As empresas tem que tomar decisões e fazer as coisas muito mais rápido que estão acostumadas.
Comentei a necessidade das empresas serem ágeis em um post anterior, que pode ser lido aqui. Hoje, em muitas empresas, a estrutura de desenvolvimento de produtos, seja software ou físico (que cada vez mais embutem software) é baseada em fases e etapas bem delimitadas, regidas por revisões executivas que sobem lentamente pela estrutura hierárquica da empresa.
Esta abordagem tem como objetivo conservar recursos e canalizar a informação das diversas áreas da empresa para um pequeno grupo de tomadores de decisão, encastelados no topo da hierarquia, que detém as informações. Isso fazia sentido no paradigma da escassez, quando as informações não circulavam e era importante minimizar ao máximo os riscos.
É uma abordagem que desacelera o processo e inibe a inovação. Totalmente contrário ao mindset digital, onde inovação tem que ser rapidamente apresentada, discutida e se aprovada, implementada.
A organização e os processos tradicionais agem contra a transformação digital pois foram concebidos sob outro paradigma. Vemos esse fenômeno na prática, quando analisamos os grandes bancos na sua tentativa de acompanhar as inovações das fintechs (start-ups do setor financeiro), importando produtos, serviços e a forma de comunicação dessas empresas para dentro de suas operações.
Mas com as amarras da organização e estrutura bancária tradicional, as grandes instituições ainda tropeçam na velocidade das mudanças. E o desafio de hoje é que os concorrentes vem de qualquer lugar. A Starbucks é um dos líderes, nos EUA, em mobile payment! Seu app Mobile Order & Pay já é responsável por 20% dos pedidos da rede.
Estamos na segunda década do século 21 e já está bem claro que a transformação digital não é mais uma questão de oportunidade ou escolha, mas um imperativo. Quanto mais tempo a empresa demorar para fazer sua transformação, mais irrelevante e marginalizada ficará.
Embora ainda vejamos executivos acharem que como seus produtos existem basicamente no mundo físico, não serão afetados pela transformação digital e com isso se sentem mais relaxados. Infelizmente, é uma atitude errada.
Qualquer empresa hoje pode e deve usar as tecnologias digitais não apenas para dar mais inteligência ao seus produtos, mas também para criar novas ofertas de serviços e engajamento com seus clientes. O mundo mudou. O cliente tem hoje infinidade de opções e abundância de informações. Tem voz ativa mas mídias sociais e o valor da marca não mais garante o sucesso.
Uma frase de Jeff Bezos é emblemática : “In the old world, you devoted 30% of your time to building a great service and 70% of your time to shouting about it. In the new world, that inverts.” A questão não é se os executivos das empresas vão aceitar ou não as mudanças provocadas pela transformação digital. Não são eles que a impedirão de acontecer. O mundo já mudou.
(*) Cezar Taurion é CEO da Litteris Consulting, autor de seis livros sobre Open Source, Inovação, Cloud Computing e Big Data
Fonte: CIO
Data: 14/10/2016
Hora: 9h27
Seção: Gestão
Autor: Cezar Taurion
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Link: http://cio.com.br/gestao/2016/10/14/nao-se-cria-uma-cultura-digital-apenas-com-slogans/