Um tema que venho estudando com muita dedicação é o conceito das Organizações Exponenciais, criado pela Singularity University (SU) e que se divulgou com a publicação do livro “Exponential Organizations: why new organizations are ten times better, faster, and cheaper than yours”, de Salim Ismail. Já havia abordado anteriormente o assunto aqui e aqui. Mas, relendo o livro para preparar um workshop para alguns clientes, e conversando com muitos executivos, observei que seria interessante compartilhar mais algumas ideias sobre o assunto.
Está claro que estamos vivenciando profundas mudanças no ambiente de negócios e não apenas uma era de mudanças, mas uma verdadeira mudança de era. A importância e significado dessas mudanças, fez com que o assunto, embutido no que foi chamado de Quarta Revolução Industrial fosse um dos pilares do último Fórum Mundial em Davos. A verdadeira explosão de inovações tecnológicas está abalando os tradicionais modelos de negócio, criando disrupções seguidas de novas disrupções. A velocidade com que o mundo digital permite a expansão de novos negócios não tem similaridades na história. Trinta anos atrás para alcançar um bilhão de pessoas você teria que ser uma imensa corporação como CocaCola. Hoje uma empresa como Uber ou Airbnb alcançam escala global em pouquíssimos anos, com muito menos investimento.
Por que isso se torna relevante para os executivos? Todos os setores de indústria serão afetados, em maior ou menor grau. Os sinais de disrupção estão em toda a parte. Um estudo da Universidade de Yale mostrou que o tempo médio de vida das empresas S&P 500 que era de 67 anos há cem anos, passou a ser de apenas 15 anos hoje. Como lidar com tanta volatilidade, ambiguidade, incerteza e complexidade? Não com um modelo organizacional desenhado para o século 20, típico da sociedade industrial, mas com um novo modelo, que a SU chamou de Exponential Organization (ExO). Sua definição é, no original em inglês: “ An ExO is one whose impact (or output) is disproportionally large – at least 10x larger – compared to its peers because of the use of new organizational techniques that leverage accelerating technologies”. Claramente seu fundamento básico é a lei do retorno acelerado, como proposto por Ray Kurzweil. Recomendo enfaticamente a leitura do texto Law of Accelerating Returns.
Entretanto, as conversas com os executivos tem mostrado que muitos ainda não perceberam a amplitude das transformações. E a explicação é simples: estamos acostumados a pensar de forma linear e usamos nossa experiência passada recente como intuição do futuro. Como a velocidade das transformações é exponencial, o gap entre o que imaginamos ser o futuro e o que ele será, é imenso. Um exemplo simples. Imagine dar 30 passos. No pensamento linear, supondo passos de um metro, percorreríamos 30 metros. Por sua vez, se olharmos de forma exponencial teremos 230 ou seja o primeiro passo um metro, o segundo dois, o terceiro quatro e assim sucessivamente, o que nos dá 1.073.741.824 metros. Isso significa 26 voltas à Terra!
Qual o impacto de continuarmos a pensar linearmente em um mundo de mudanças exponenciais? Uma previsão de futuro totalmente errada! Leiam o artigo "Why are analyst predictions always so wrong?" para previsões furadas de respeitadas empresas de análise da indústria de tecnologia. Foram previsões baseadas no pensamento linear e por isso ficaram desconectadas da realidade exponencial. A explicação para tão bruscas mudanças no cenário competitivo pode ser encontrada no livro “The Singularity is Near: When Humans Transcend Biology”, de Kurzweil, que mostra que quando as tecnologias que sustentam um negócio deslocam-se para um ambiente baseado em informação, o ritmo de seu desenvolvimento cresce exponencialmente e a relação preço/performance dobra a cada um ou dois anos. Com isso, as bases de sustentação do cenário competitivo rompem-se totalmente e a competição vai para um patamar totalmente diferente, como novas regras e modelos de negócio. Um exemplo típico é o WhatsApp que simplesmente destruiu o lucrativo negócio de SMS das operadoras de telefonia celular em poucos anos.
As mudanças já estão acontecendo. A rápida e exponencial (r)evolução tecnológica está transformando industrias e criando concorrências inesperadas. À medida que a Internet e a tecnologia se dissemina pela sociedade, elas mudam dramaticamente o contexto estratégico: altera a estrutura da competição, a maneira de fazer negócios e elimina fronteiras entre setores de indústria antes distintos. Desagrega cadeias de valor estabelecidas e cria outras, movidas por novos entrantes que jogam outro jogo. Estas escalam mais rapidamente e a menor custo que as empresas existentes, criando um cenário competitivo inteiramente desconhecido. Já começamos a ver sinais de mudanças radicais no conceito de emprego e provavelmente a criação de inúmeras novas profissões. Talvez daqui a 25 anos ninguém mais comemore 25 anos de atuação na mesma empresa. E muito provavelmente não permanecerá 25 anos na mesma profissão.
Uma comparação emblemática de como os cenários estão em transformação: se compararmos Detroit, cidade americana sede das principais indústrias automotivas americanas, e, portanto, emblemática da sociedade industrial, de 1990 com o Silicon Valley, em 2014, veremos diferenças significativas. Em 1990 as três maiores companhias automotivas tinham, combinadas, uma capitalização de mercado de 36 bilhões de US$, receitas de 250 bilhões de US$ e possuíam 1,2 milhão de funcionários. Em 2014, as três maiores empresas do Silicon Valley tinham um valor de mercado de 1,09 trilhão de US$ (consideravelmente maior!), geravam quase a mesma receita (247 bilhões de US$), mas tinham cerca de 10 vezes menos funcionários, em torno de 137.000. É claramente uma mudança de paradigma. Recomendo a leitura do livro “The Structure of Scientific Revolutions”, de Thomas Kuhn, que explica de forma muito clara como ocorre a quebra de paradigmas.
Na verdade, hoje, estamos ainda no início das transformações. Todos os negócios e setores de indústria sofrerão disrupção. Um exemplo pode ser a área de saúde e a medicina. Leiam este instigante artigo “Medicine Will Advance More in the Next 10 Years Than It Did in the Last 100”, publicado pela SingularityHub. Veículos autônomos e blockchain vão mudar a base de sustentação de muitos negócios sólidos e em dez a quinze anos provavelmente os bancos como conhecemos hoje serão bem diferentes. E talvez nem consigamos mais caracterizar de forma separada empresas de setores hoje distintos como GM, Uber, Localiza e Porto Seguro Seguros.
A mudança organizacional vai demandar mudanças na estrutura, processos e métodos de trabalho. Uma ExO é ágil por natureza. Isso significa que as empresas que ainda se debatem se devem ou não usar métodos ágeis em sua TI e discutem como ser bimodal, estão perdendo terreno. Bimodal é apenas uma etapa intermediária para ser ágil em sua essência, e não apenas a TI, mas a empresa como um todo. Recomendo a leitura do artigo Explaining Agile, de Steve Denning. Uma organização linear dificilmente conseguirá acompanhar o ritmo de transformações exponenciais e não conseguirá fazer a disrupções por si. Não tem as ferramentas, a atitude e a perspectiva para ser disruptiva. Mudanças e disrupções causam muito desconforto e o sistema imunológico das corporações lineares, que protege o status quo, acaba por destruir as tentativas de disrupção. Um exemplo de como isso acontece é que a revolução da cloud computing se originou de uma empresa, a Amazon, com seu AWS, que não era uma das tradicionais corporações de TI. As grandes empresas desse setor, como IBM, Oracle e Microsoft tiveram que correr atrás dela para tentar recuperar o tempo perdido.
O que fazer? Antes de mais nada ler o livro! Entender os conceitos e princípios que constituem uma ExO. O livro tem um autodiagnóstico simples, que ajuda a identificar o quociente exponencial da organização. Uso ele como ponto de partida nos workshops com empresas e, embora meio rudimentar, é um bom indicador. Existe uma lista das Top 100 empresas exponenciais, que pode ser vista aqui.
Claro que construir uma ExO do zero é bem mais simples, pois não existe legado a manter. Mas, o conceito se aplica a todas as empresas e já existem diversas organizações que estão se movimentando nessa direção. A relação das The ExO Fortune 100, mostra o quociente exponencial das 100 maiores empresas da lista da Fortune. Muito bem posicionadas, além das empresas de tecnologia como Google e Apple, estão empresas como GE, Disney, CocaCola, UPS e outras grandes corporações. O livro tem um capítulo sobre como tornar uma grande corporação uma ExO.
Aqui no Brasil estamos enfrentando uma longa crise, mas um economista americano, Paul Romer, disse uma frase bem interessante: ”a good crisis is a terrible thing to waste”. Portanto, não espere as coisas acontecerem. Elas acontecerão. Comece a dar os primeiros passos na transformação do negócio. Na exponencialidade, no início se parece com a linearidade, avança de forma imperceptível, mas ao alcançar o “tipping point”, decola acentuadamente!
(*) Cezar Taurion é CEO da Litteris Consulting, autor de seis livros sobre Open Source, Inovação, Cloud Computing e Big Data
Site: CIO
Data: 01/11/2016
Hora: 7h10
Seção: Gestão
Autor: Cezar Taurion
Link: http://cio.com.br/gestao/2016/11/01/qual-e-o-quociente-exponencial-da-sua-empresa/