Todo esforço do BNDES para estimular a concessão de crédito às empresas de menor porte, especialmente no caso do cartão, pode esbarrar na falta de apetite dos bancos que atuam no repasse dessa linha. Dentre outras medidas, o BNDES acabou de dobrar o limite do cartão, cuja taxa de juros é de 1,19% ao mês, para R$ 2 milhões. No dia a dia, no entanto, pequenos empreendedores se deparam com obstáculos bem mais triviais, como reduções abruptas do crédito pré-aprovado nos cartões, exigência de garantias reais para ter o limite renovado e até mesmo o fim do financiamento de itens específicos, como insumos.
Os questionamentos dos empreendedores se concentram no Banco do Brasil, maior operador da linha. Procurado, o banco optou por não comentar as novas exigências. O BNDES explica, contudo, que o BB atua dentro das regras. O entendimento é que o risco de crédito é do banco, cabendo a ele determinar a forma como quer atuar. A exceção, diz o BNDES, seria a tentativa de interferência no tipo de produto comprado no cartão, cuja lista é definida pelo banco de fomento.
"Não deixaremos de financiar insumos", diz Carlos Viana, chefe do departamento de relacionamento institucional e gestão do crédito rural da área de operações indiretas do BNDES. Segundo ele, o banco está estudando o pleito de um determinado agente financeiro que pede a suspensão temporária da compra de insumo. "Mas isso ainda não aconteceu e se acontecer será limitado a esse agente."
Uma empresa fabricante de acessórios para jardinagem que usava o cartão BNDES emitido pelo Banco do Brasil para a compra de matéria¬prima descobriu que seu limite havia sido cortado justamente ao simular a compra do insumo com um de seus principais fornecedores. Em comunicação enviada ao cliente, a qual a reportagem teve acesso, o BB informou que a partir de novembro os cartões BNDES emitidos pelo banco deixariam de financiar itens classificados como insumos, constantes do Portal do Cartão BNDES.
A empresa foi informada ainda que, para ter o cartão renovado, cujo limite era de R$ 100 mil, teria de agregar garantias representadas por imóveis ou veículos. "Não vou dar meu único imóvel como garantia", diz a sócia da empresa. Ela conta que o limite de seu cartão foi reduzido para R$ 28 mil.
Ainda segundo a empreendedora, sua gerente disse que para o BB não interessava oferecer linhas do BNDES. Já na comunicação enviada à empresa, o BB coloca à disposição outras linhas para financiar investimentos, como Proger Urbano Empresarial, BB Crédito Empresa e Finame, essa última do BNDES, mas com a ressalva de que ela está "sujeita à aprovação cadastral e de crédito". Além de o juro ser mais alto nas linhas próprias do BB, diz a empresária, o banco também pede garantias reais.
Segundo Viana, do BNDES, é provável que em momentos de crise econômica, bancos prefiram correr o risco com uma taxa um pouco melhor ou com condições para ele mais confortáveis. "Certamente os agentes de negócios dos bancos são orientados a ofertar os produtos que garantam rentabilidade em meio ao contexto de risco de inadimplência mais elevado." Uma amostra desse tipo de impacto é que, no ano até novembro, os desembolsos via cartão somam R$ 5,3 bilhões, uma queda de 52,7% em relação ao total de 2015.
Em meio ao impasse, o pequeno empreendedor se frustra porque encontra barreiras para dispor de um crédito que considera ágil no momento que mais precisa dele. Esse é o caso de outra empresa, de comércio de alimentos, que também teve seu limite reduzido no cartão BNDES emitido pelo BB, de R$ 60 mil para R$ 15 mil. Segundo um dos sócios, a expectativa era usar o crédito para a compra de equipamentos, como freezer, forno e geladeira, para sua nova loja.
Para manter o limite, o BB exigiu recebíveis de cartão como garantia e ainda ofereceu uma linha para capital de giro do próprio BNDES, conhecida como Progeren. Para o empreendedor, a linha tem taxa e prazo de carência bons, mas não é adequada às necessidades da empresa, além da exigência de imóvel como garantia. "O cartão é uma 'mão na roda'".
Demais bancos que atuam com o cartão, como Caixa, Bradesco, Itaú e Santander, garantem que não houve mudanças na política do cartão. O grupo ressalta, contudo, que tem autonomia para definir os limites de crédito e até reduzi-lo no meio do caminho. E a maioria admite que a dificuldade de vincular garantias reais ao empréstimo é um impeditivo ao crescimento desse tipo de linha.
No Bradesco, a concessão de crédito no cartão BNDES depende da capacidade de pagamento e do comportamento da empresa, entre outros. Mas, diz Antônio Barbosa, superintendente executivo de Cartões Empresariais e Corporativos do Bradesco, há uma oportunidade de trazer mais faturamento para o cartão se o BNDES criar junto ao modelo existente um instrumento de alienação fiduciária para bens de maior valor, nos moldes do Finame, de forma que estes bens possam ser dados em garantia real ao agente financeiro. "Vejo um BNDES aberto a mudanças."
O Finame, segundo o BNDES, é uma linha voltada para financiar máquinas e equipamentos sobre a qual o agente financeiro tem mais controle, já que o bem fica vinculado à operação. O juro é menor, mas perde¬se em agilidade.
Em nota, o Itaú diz que "a avaliação para concessão é realizada exclusivamente com base no perfil da empresa e seu histórico de relacionamento com o banco, sem exigência de garantias". No Santander, "tanto a avaliação de crédito quanto a solicitação de garantias estão relacionadas à capacidade de pagamento da empresa e são avaliadas caso a caso". Já a Caixa, no caso do cartão, passou a observar o prazo mínimo de 12 meses de relacionamento com o banco.
Fonte: Valor Econômico
Data: 19/12/2016
Hora: 5h
Seção: Finanças
Autor: Alessandra Bellotto e Flávia Lima
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Link: http://www.valor.com.br/financas/4811335/pequenas-empresas-sofrem-restricoes-em-cartao-do-bndes