Transformação digital hoje pode ser comparada como sexo entre adolescentes. Todos dizem que fazem, mas poucos fazem. E os que fazem, fazem mal. É uma piada velha, mas representa bem o cenário, salvo raras exceções, que vemos aqui no Brasil.
Uma recente pesquisa da Deloitte, “Navigating legacy: charting the course to business value”, realizada com 1.217 líderes de tecnologia em 48 países, incluindo o Brasil, entre maio e setembro de 2016, já mostrou uma mudança nas prioridades para muitos CIOs, de “desempenho do negócio” para "foco nos clientes". No estudo anterior, a prioridade apontada pelos entrevistados era o crescimento da empresa, com 49% das citações. No atual, este item teve o percentual reduzido para 44%. Este é um dos pontos nos quais os CIOs brasileiros ainda destoam. O foco no cliente aparece apenas em terceiro lugar entre as prioridades dos nossos CIOs. Os entrevistados do Brasil estão mais preocupados com a gestão de custos (60%)e com o crescimento (55%).
Além disso, entre os brasileiros participantes, mais da metade dos CIOs, 52%, se intitulam um “operador confiável”, seguidos por 36% que já se veem como “cocriadores de negócios” e apenas 12% como “instigadores de mudanças”.
A pesquisa também mostrou que no que diz respeito às capacidades esperadas de TI, o grande foco dos CIOs brasileiros, pelo menos no discurso, se dá na inovação, com a adoção de novas tecnologias para o negócio e a melhoria de processos já existentes. Mas, apesar do grande destaque em inovação, existe uma grande preocupação com a manutenção dos sistemas atuais, que é reflexo do próprio nível de maturidade tecnológica das organizações brasileiras (ainda bastante baixo), da crise econômica e dos entraves pragmáticos no trabalho cotidiano do CIO, de se concentrar em manter a casa das máquinas operando.
A pesquisa identificou também importantes lacunas entre as expectativas de negócios e as capacidades de entrega das áreas de TI em aspectos estratégicos, como inovação. Para 57% dos CIOs, suas empresas têm a expectativa de que eles ajudem na inovação dos negócios e no desenvolvimento de novos produtos e serviços. Porém mais da metade dos entrevistados (52%) afirma que o desenvolvimento da inovação e de soluções disruptivas simplesmente não existe ou não vem sendo aplicado em suas organizações.
Embora a situação por aqui seja preocupante, o relatório “The Global Risks Report 2017:12th Edition”, divulgado agora no recente Forum Econômico Mundial, em Davos, mostrou que a sociedade global como um todo não está acompanhando o ritmo das mudanças tecnológicas, como inteligência artificial e robótica. Estas mudanças, sob o guarda-chuva do termo “Quarta Revolução Industrial” inevitavelmente transformarão o mundo de muitas maneiras, algumas desejáveis, ?outras não. Vai depender de cada país e de cada empresa entender e absorver as mudanças que se entranham pela sociedade.
Muitas vezes esperamos que ruptura tecnológica seja marcada em um momento dramático de transformação, mas em muitas áreas a disrupção causada pelas tecnologias emergentes já está avançando silenciosamente, como resultado de uma evolução gradual em vez de uma mudança radical, estilo “big-bang”. Por exemplo, os veículos autônomos. Hoje ainda não estamos vivendo em um mundo de veículos que requerem pouca ou nenhuma intervenção humana, mas as tecnologias que sustentam a autonomia estão cada vez mais presentes em nossos carros comuns. Os custos dos sensores LIDAR, caiu de 75 mil dólares em 2009, quando o Google começou a rodar seus carros sem motorista, para 7,5 mil hoje. Com esta tendência, em poucos anos seus custos serão equivalentes aos dos freios ABS, permitindo que se espalhe por praticamente todos os veículos.
O contexto que vemos pode ser melhor compreendido à luz da história. Um bom exemplo pode ser encontrado em uma análise da ascensão e queda de Veneza, neste artigo publicado pela Harvard Business Review: “Why Innovators Should Study the Rise and Fall of the Venetian Empire”. Chegaram ao topo e não reconheceram mudanças tecnológicas que estavam dando claros sinais de rupturas no status quo. Leiam, vale a pena.
Qual é a lição deste fato histórico para as empresas de hoje? Quanto mais forte for a suposição de que o futuro funcionará como sempre funcionou, maior será a força gravitacional do status quo. Organizações enjauladas em seus modelos de negócio bem-sucedidos, tendem a não se esforçar na busca por novos horizontes. Estão condenadas a murchar.
Se você não quer ser pego de surpresa, tem que reconhecer que o futuro será diferente do passado. O futuro é insondável, ambíguo e aberto a todas as opções. Uma mudança importante provocada por um concorrente, uma empresa de outro setor, uma startup ou uma nova tecnologia, às vezes é tudo o que é preciso para acabar com uma empresa sólida. Se o seu negócio atual é como uma casa cuidadosamente arrumada, isso não é suficiente. A próxima oportunidade (ou ameaça) provavelmente estará fora das suas paredes, na intersecção de setores e mercados que você não consegue visualizar se apenas se concentrar em olhar para dentro de sua casa.
O que os CIOs precisam fazer? Em tese, eles têm uma vantagem: estão bem posicionados para influenciar e movimentar a transformação digital, de forma ampla, e não departamentalizada, quando restrita às ações de executivos de áreas de negócio específicas, como marketing ou uma Business Unit mais agressiva digitalmente. Os CIOs que querem deixar de ser operacionais e serem vistos como estratégicos e transformadores (incorporarem o espírito do Chief Transformation Officer) devem buscar explorar as oportunidades que o novo cenário de negócios está proporcionando.
Na prática, TI está em todos os negócios, pois cada vez mais as coisas estão sendo digitalizadas. As mudanças ocorrem de forma acelerada e exponencial, e o cenário de negócios que sustentou o crescimento da empresa e mesmo de todo setor pode deixar de existir em poucos anos. Portanto, a pergunta que os CIOs devem continuamente se fazer é que tipo de negócio a empresa e claro, a TI, deverá ser amanhã?
Para ser reconhecido como líder estratégico ele deve se posicionar como estando no negócio de “criar e evitar uma surpresa estratégica”. Não apenas melhorar incrementalmente o dia a dia da empresa, colocando um app aqui e outro ali, mas fazendo coisas que antes se pensavam impossíveis.
Como? Olhando para frente e ajudando a empresa a mapear os riscos estratégicos. Aqueles riscos tecnológicos que podem afetar a empresa no futuro, inclusive destruindo seu modelo de negócios atual.
A velocidade com que as mudanças estão ocorrendo implica que muitos dos riscos vistos como ameaças de longo prazo podem se tornar um pesadelo em muito pouco tempo. Por exemplo, fiar-se na proteção regulatória como impeditivo de inovações de ruptura. Não é garantia. Na prática usar uma proteção regulatória é apenas focar na proteção da geração de valor atual, mas não na possibilidade criar nova forma de valor, que alguém, de fora, inovador, poderá fazer. Buscar aproximação com startups, mapear continuamente os sinais de mudança e até mesmo criar comitê de inovação devem ser ações rotineiras.
Infelizmente, muitas vezes não reconhecemos os sinais. Um dos fundadores do Google foi sincero no seu painel no Fórum Econômico Mundial: “Google co-founder Sergey Brin: I didn’t see AI coming”. Mas foram rápidos o suficiente para reposicionarem o Google em uma empresa centrada em IA e hoje o Google é líder em IA. Adicionalmente, recomendo a leitura de um livro instigante, “The signals are talking: why today´s fringe is tomorrow´s mainstream”, de Amy Webb.
O papel do CIO estratégico e transformador é alertar a organização que riscos estão sendo mapeados e quais os efeitos deles para a sobrevivência do próprio negócio. Criar um processo de inovação sistemático deixa de ser uma opção, mas condição básica para a empresa se manter viva. Inovar continuamente e estar um passo à frente é um aspecto estratégico de suma importância. Não fazer isso é ignorar um risco potencial de disruptores destruírem seu negócio e até mesmo levar para o buraco todo um setor de negócios no qual sua empresa faz parte.
O sucesso em uma mudança de era, como vivemos, é resistir à síndrome do "sucesso como de costume", e explorar sistematicamente tecnologias emergentes e novos modelos de negócios. Essa perspectiva ajuda a promover formas não convencionais de pensar, resolver problemas e desafiar o status quo. O objetivo não é perseguir um alvo fixo, o futuro provável, evolutivo e próximo aos dias de hoje, mas entender as disrupções potenciais, de um horizonte que se move à medida que nos aproximamos dele. A mudança é contínua!
Portanto, o CIO que pretende se tornar um líder de negócios, transformador e inovador, tem que pensar de forma estratégica e olhar para a frente. Influenciar seus pares e mostrar que as mudanças estão chegando. E que ele poderá contribuir em muito, e até mesmo, liderar as transformações. Aí, sim, será um CIO com o “I” de inovação e de indispensável. E não o “I” de irrelevante...
(*) Cezar Taurion é head de Digital Transformation da Kick Corporate Ventures e autor de nove livros sobre Transformação Digital, Inovação, Open Source, Cloud Computing e Big Data
Fonte: CIO
Data: 23/01/2017
Hora: 18h43
Seção: Gestão
Autor: Cezar Taurion
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Link: http://cio.com.br/gestao/2017/01/23/nao-espere-por-mudancas-radicais-a-disrupcao-e-feita-de-evolucoes-graduais/