O Sindicato das Empresas de Informática do Estado do Rio de Janeiro – TI Rio é a favor que haja uma reforma trabalhista.
A questão que se coloca é se o texto aprovado na Câmara dos Deputados traduz ou não a reforma mais adequada para modernizar as relações de trabalho e trazer segurança jurídica para as empresas de forma a impulsionar o empreendedorismo e a economia como um todo e estimular a contratação de mais trabalhadores.
O principal foco da reforma trabalhista é a CLT, mas a legislação trabalhista vai muito além da CLT. É preciso analisar a legislação trabalhista como um todo, como um sistema único. Será que as leis esparsas que tratam de temas trabalhistas ficariam coesas com a aprovação da reforma trabalhista? Será que estas leis esparsas também não precisariam de reformas? Será que as próprias mudanças sugeridas pela reforma trabalhista para a CLT são suficientes ou adequadas?
É a partir de um estudo mais crítico da legislação trabalhista vigente no Brasil, que o TI Rio se manifesta sobre a reforma trabalhista.
A presente análise foi realizada sobre o texto aprovado na Câmara dos Deputados em 26/04/2017 (PL 6787/2016). Atualmente, a Reforma Trabalhista está tramitando no Senado Federal (PLC 38/2017), consequentemente, o texto aprovado na Câmara dos Deputados poderá sofrer modificações.
Vejamos, então, os principais pontos obscuros da reforma trabalhista:
Exceções à Regra da Prevalência do Negociado Coletivo sobre o Legislado
A inclusão do artigo 611-A na CLT pela Reforma Trabalhista não representa, necessariamente, uma grande mudança na legislação trabalhista, uma vez que o inciso XXVI do artigo 7º da Constituição Federal (CF/88) já reconhece as convenções e acordos coletivos. O próprio artigo 611 da CLT já dispõe que as convenções coletivas têm caráter normativo. Ou seja, tanto a CF/88 quanto a CLT já atribuíam aos instrumentos coletivos força de lei.
Ocorre que reiteradamente a justiça do trabalho vem anulando acordos e convenções coletivas, gerando insegurança jurídica, pois não há certeza sobre se o que foi negociado e instrumentalizado através de convenção ou acordo coletivo terá validade. O entendimento de vários magistrados e do Ministério Público do Trabalho é de que a CF/88 ao reconhecer a força normativa de uma convenção ou acordo coletivo o fez em relação aos instrumentos coletivos cujo o conteúdo preveja situações mais benéficas aos trabalhadores do que o disposto na legislação.
Mas em momento algum a Constituição Federal limitou a força normativa dos instrumentos coletivos somente quando forem mais benéficos do que o disposto na lei.
Dito isto, a primeira pergunta que deve ser feita é: prevalece qualquer negociado sobre o legislado? A negociação individual (acordo individual) prevaleceria sobre o legislado?
O artigo 611-A é expresso ao dizer que “a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei”. Portanto, trata-se da prevalência do negociado coletivo sobre o legislado.
No entanto, a própria Reforma Trabalhista traz 4 exceções a essa regra do negociado coletivo, ou seja, 4 hipóteses na qual a negociação individual prevalece sobre o legislado. Tratam-se das seguintes exceções:
1 - Acordo Individual escrito de Banco de Horas, desde que a compensação ocorra no período máximo de 6 meses (§5º do art. 59 incluído pela reforma);
2 - Acordo Individual tácito ou escrito de Banco de Horas, desde que a compensação seja no mesmo mês (§6º do art. 59 incluído pela reforma);
3 - Acordo Individual escrito de jornada de 12 x 36 (art. 59-A incluído pela reforma); e
4 - Acordo Individual para qualquer tema do artigo 611-A com empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a 2 vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (parágrafo único do artigo 444 incluído pela reforma).
A princípio, a flexibilidade para que a empresa possa negociar diretamente com seu empregado banco de horas mensal ou semestral é um fator positivo, pois torna a relação de trabalho mais dinâmica e simples.
O problema é que compensação de jornada só pode ser tratada mediante acordo coletivo ou convenção coletiva, conforme dispõe o inciso XIII do artigo 7º da Constituição Federal. Poder-se-ia argumentar que este “acordo” poderia ser individual, o problema é que a Constituição Federal não reconhece o acordo individual, logo este acordo tem que ser coletivo.
O que veio para ser algo benéfico para a relação empregador-empregado pode acabar gerando mais insegurança jurídica. O artigo 611-A já trata do banco de horas através de instrumento coletivo. Esta é a solução mais correta, pois é a que gera mais segurança jurídica para as partes.
Em relação a terceira exceção, a escala de revezamento de 12 x 36 não tinha previsão legal. O TST editou a súmula 444 dizendo que só poderia haver esse tipo de escala através de convenção ou acordo coletivo. Com a Reforma Trabalhista, isto poderá ser feito mediante acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo.
Mais uma vez cite-se o inciso XIII do artigo 7º da Constituição Federal. Portanto, ainda que a possibilidade de celebração de acordo individual facilite a relação trabalhista, a melhor alternativa é que tal jornada só possa ser estabelecida por meio de convenção ou acordo coletivo, pois os mesmos trazem uma maior segurança jurídica.
Plano de Cargos e Salários
Hoje, para que uma empresa possua um Plano de Cargos e Salários, a mesma deve após elaborar o documento homologá-lo junto ao Ministério do Trabalho o que torna todo o processo muito mais burocrático.
A Reforma Trabalhista dá nova redação ao §2º do artigo 461 da CLT dispondo que o Plano de Cargos e Salários poderá ser adotado “por meio de norma interna da empresa ou de negociação coletiva, dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público.”
O inciso V do artigo 611-A incluído pela Reforma Trabalhista já dispõe que o negociado coletivo prevalecerá sobre o legislado quando tratar de plano de cargos, salários e funções. A nova redação do §2º do artigo 461 lida em conjunto com o inciso V do artigo 611-A gera uma dúvida: quando a empresa tratar do plano de cargos e salários por meio de norma interna da empresa, tal meio prevalecerá sobre o legislado??
Ou seja, mais uma dúvida e, consequentemente, insegurança jurídica criada pela Reforma Trabalhista. É louvável a retirada da obrigatoriedade de homologar o Plano de Cargos e Salários no Ministério do Trabalho, mas trazer a possiblidade de fazer isso por norma interna da empresa pode gerar mais problema do que solução.
Soma-se a isso o fato de que no mesmo artigo 611-A incluído pela reforma há o inciso VI que traz o item regulamento empresarial, ou seja, quando o regulamento empresarial for estabelecido por meio de convenção ou acordo coletivo prevalecerá sobre a lei. Ora, norma interna da empresa é um regulamento empresarial. Logo a norma interna da empresa citada na nova redação do §2º do artigo 461 também teria que ser feita por meio de negociação coletiva.
Sendo assim, para evitar qualquer tipo de dúvida, mais uma vez a melhor solução é que o Plano de Cargos e Salários seja feito somente por meio de convenção ou acordo coletivo.
Contratos de Trabalho Por Prazo Determinado da Lei nº 9.601/98
A Lei nº 9.601/98 prevê a possibilidade de contratação por prazo determinado além das hipóteses previstas no artigo 443 da CLT, desde que previsto em convenção ou acordo coletivo e desde que representem aumento no número de empregados.
O objetivo desta lei é muito positivo, mas há um anacronismo que poderia ser resolvido pela reforma trabalhista.
Esta lei previa que durante os 60 meses a contar de sua publicação, ficariam reduzidas pela metade a contribuição para o Sistema S e a alíquota para o FGTS seria de 2%. Por outro lado, há a previsão da obrigação de o empregador efetuar depósitos mensais, a favor do empregado, em estabelecimento bancário. Ou seja, não está mais em vigor a redução dos encargos, no entanto a obrigação do depósito deste adicional continua em vigor.
Este adicional tinha o objetivo de compensar a redução dos encargos, sendo assim, não faz sentido a manutenção desta obrigatoriedade na lei.
Além disso, esta lei prevê um limite para contratação de empregados por meio deste tipo de contrato de trabalho. Esta limitação é calculada sobre a média aritmética mensal do número de empregados contratados por prazo indeterminado do estabelecimento, nos seis meses imediatamente anteriores ao da data de publicação da lei (parágrafo único do artigo 3º). Como a lei foi publicada em 22/01/1998, os 6 meses anteriores correspondem ao segundo semestre do ano de 1997. O Decreto nº 2.490/98 que regulamenta esta lei em seu artigo 5º, §2º determina que “os estabelecimentos instalados ou os que não possuem empregados contratados por prazo indeterminado a partir de 1o/07/1997 terão sua média aritmética aferida contando-se o prazo de 6 meses a começar do primeiro dia do mês subsequente a data da primeira contratação por prazo indeterminado”.
Ora, a maioria das empresas, quando são abertas, não realizam um número considerável de contratações. Aliás, muitas empresas permanecem por um longo período sem empregados, pois seus próprios sócios prestam os serviços para os clientes. Por tanto, o melhor critério seria o da média dos 6 meses anteriores ao da celebração da convenção ou acordo coletivo que autorizar este tipo de contratação.
Redução de Jornada e Salário por Meio de Negociação Coletiva: Lei nº 4.923/65 e Lei nº 13.189/2015
O inciso IV do artigo 611-A incluído pela Reforma Trabalhista diz que prevalecerá sobre o legislado a convenção ou acordo coletivo que tratar da adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei nº 13.189/2015. Esta lei trata de uma possibilidade de redução de jornada e salário por meio de acordo coletivo para empresas em situação financeira delicada.
Ocorre que antes desta lei de 2015, já existia (e continua em vigor) a Lei nº 4.923/65 que também trata de uma hipótese de redução de jornada e salário por meio de acordo coletivo para empresas em situação financeira delicada.
Ao citar expressamente a lei de 2015 e não citar a lei de 1965, a reforma trabalhista cria uma dúvida: se for celebrado um acordo coletivo com base na lei de 1965, este acordo prevalecerá sobre o legislado??
Pode-se usar o argumento que no caput do artigo 611-A criado pela Reforma Trabalhista há a expressão “entre outros”, logo o rol deste artigo seria exemplificativo e não taxativo. Mas se há duas leis em vigor que tratam do mesmo tema, porém apenas com requisitos diferentes, por que citar expressamente uma lei e não citar a outra?
Mais uma vez, a Reforma Trabalhista gera insegurança jurídica, muito em virtude da falta de verificação da legislação trabalhista como um todo e não apenas focado na CLT.
Os Encargos das Verbas Descritas no §1º do Artigo 457 da CLT
As mudanças propostas pela Reforma Trabalhista para o §1º do artigo 457 da CLT são positivas, porém são insuficientes.
De fato, retirar a natureza salarial da ajuda de custo, do auxílio-alimentação, das diárias para viagem, dos prêmios e dos abonos estimulará as empresas a conceder tais verbas aos seus empregados, já que, a princípio, não haverá incidência de encargos sobres os mesmos.
Outro ponto positivo da Reforma Trabalhista é que também prevê a inclusão das diárias para viagem, dos prêmios e dos abonos no rol de itens que não integram o salário de contribuição da previdência (§9º do artigo 28 da Lei nº 8.212/91). O problema é que a reforma não prevê a inclusão, neste rol, do auxílio alimentação.
Atualmente, a alínea “c” do §9º do artigo 28 da Lei nº 8.212/91 prevê que a concessão deste tipo de parcela, desde que a empresa esteja inscrita no PAT, não integrará o salário de contribuição.
Isso pode gerar uma confusão: na alteração proposta pela reforma trabalhista para o §1º do artigo 457 da CLT não é exigido que a empresa esteja inscrita no PAT para que o auxílio alimentação não tenha natureza salarial, porém a lei previdenciária exige e a reforma trabalhista não propõe mudança quanto a este tópico na lei previdenciária.
Na verdade, a melhor alternativa seria a inclusão do auxílio alimentação e também do auxílio refeição no rol do §2º do artigo 458 da CLT. Além disso, ser alterada a alínea “c” do §9º do artigo 28 da Lei nº 8.212/91 para prever que o auxílio alimentação e o auxílio refeição não integrarão o salário de contribuição esteja ou não a empresa inscrita no PAT.
Além disso, a Reforma Trabalhista não prevê alterações nas Leis nº 4.090/62 e 4.749/65 que tratam do 13º salário. O ideal era que a reforma alterasse essas leis prevendo expressamente que as verbas descritas no §1º do artigo 457 da CLT não comporão o 13º salário.
A Participação dos Sindicatos na Negociações Coletivas
O inciso VI do artigo 8º da Constituição Federal prevê que “é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho”.
Perceba que a Constituição Federal não disse se é obrigatória somente a participação do sindicato laboral ou do patronal. Apenas utilizou a palavra “sindicatos”. Portanto, em se tratando de negociação coletiva, o sindicato, seja laboral ou patronal, tem que participar da negociação.
No entanto, na redação atual do artigo 611 da CLT (que NÃO foi alterado pela Reforma Trabalhista) define que é convenção coletiva é o instrumento coletivo celebrado entre um sindicato patronal e um sindicato laboral e o acordo coletivo é um instrumento coletivo celebrado entre uma empresa (ou grupo de empresas) e um sindicato laboral.
Ora, se a Constituição Federal diz que é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas, sem limitar essa participação ao sindicato laboral, tanto na Convenção Coletiva quanto no Acordo Coletivo, a participação do sindicato patronal deve ser obrigatória. Neste sentido, falta na Reforma Trabalhista a previsão da correção da redação dada ao §1º do artigo 611 da CLT.
Contribuição Sindical Facultativa
As alterações feitas na redação dos artigos 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da CLT determinam que a empresa ou empregado só deverão pagar a contribuição sindical se previamente e expressamente autorizarem, tornando assim a contribuição sindical optativa.
Há um contrassenso! Ao mesmo tempo que a reforma trabalhista reforça a prevalência do negociado coletivo sobre o legislado e, consequentemente, reforça a importância dos sindicatos, retira, repentinamente, dos principais atores da negociação coletiva a forma de manutenção de sua estrutura.
É claro que numa primeira análise, é positivo para o empregado ter menos um desconto em seu salário e é positivo para a empresa ter menos um imposto a pagar.
O TI Rio não se opõe, necessariamente, ao fim da contribuição sindical obrigatória. Entendemos, inclusive, que a longo prazo, tal medida servirá para fortalecer os sindicatos que são verdadeiramente atuantes, que representam os interesses de seus representados. Também contribuirá para a extinção dos sindicatos de fachada.
No entanto, tal medida deve ser implementada de forma gradual, para que os sindicatos possam se preparar para o impacto do fim da contribuição sindical obrigatória. Por isso, o TI Rio é a favor de uma redução gradual da contribuição sindical obrigatória aliada a uma reforma sindical. Isto porque tornar a contribuição sindical optativa não representa uma profunda reforma sindical, é preciso muito mais.
Alerte-se ao fato que uma empresa pertencente a determinada categoria econômica, independentemente se optou ou não por recolher a contribuição sindical, continuará sendo representada pelo sindicato que representa esta categoria econômica. Isto porque a reforma trabalhista não altera a regra do enquadramento sindical.
Portanto, a empresa terá que obedecer a convenção coletiva da categoria a qual foi negociada pelo sindicato que representa a empresa ainda que a mesma não tenha recolhido a contribuição sindical para este sindicato.
Outras alternativas podem ser buscadas para conter o surgimento de novos sindicatos com representatividade insignificante, prestigiando, assim, o princípio da unicidade sindical consagrado na CF/88.
É preciso que haja uma reforma sindical, mas reforma sindical não é simplesmente e repentinamente tornar a contribuição sindical optativa. É preciso abordar a forma de organização sindical, a filiação sindical, todas as formas de custeio, seja a contribuição sindical, o sistema S, a contribuição negocial prevista no artigo 7º da Lei nº 11.648/2008 (até hoje não regulamentada) ou qualquer outra forma de custeio.
Neste sentido, a reforma sindical deveria ser um projeto de lei a parte da reforma trabalhista, discutida e construída com a participação efetiva das entidades sindicais e de outros representantes da sociedade civil.
Luiza Paula Gomes
Departamento Jurídico do TI Rio