Quando se fala em internet as pessoas costumam se lembrar de várias coisas diferentes - de redes sociais a serviços online de música e vídeo. No entanto, há uma figura que, apesar de primordial ao funcionamento da economia digital, quase sempre é deixado de lado: o governo.
Um estudo realizado pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio) aponta que para 58% dos brasileiros o governo deveria adotar mais tecnologias para prestar serviços de melhor qualidade. Apesar disso, apenas 12,5% deles afirmam já ter baixado algum aplicativo oferecido pelo governo. O mais utilizado, por 16% dessa fatia, é o da Caixa Econômica Federal, seguido do app do FGTS (11%) e o da Receita Federal (8%).
"Isso mostra que existe demanda, mas não oferta. O país está atrasado e não tem nenhum projeto que enxergue o papel da tecnologia no plano governamental", diz o advogado Ronaldo Lemos, diretor do ITS Rio. "É uma política errática e caótica, pela qual vamos pagar caro. Para governar, é preciso [usar a] tecnologia."
A falta de uma política coesa é uma das razões da fragmentação dos serviços. Só no âmbito do governo federal, segundo o ITS, existem 45 aplicativos diferentes. Cada um deles exige um processo de identificação distinto, o que dificulta a vida do usuário.
O programa do governo federal, Bolsa Família, por exemplo, beneficiou 5,2 milhões de domicílios brasileiros no ano passado - 13,7% do total de lares do Brasil. No entanto, seu aplicativo só foi baixado por 4,3% dos pouco mais de 12% das pessoas que fizeram o download de um app governamental.
Identidade digital brasileira
De acordo como advogado, um dos desafios será criar uma identidade digital brasileira, aprendendo com os erros de países mais avançados nas ações de governo eletrônico, mas com grau de desenvolvimento semelhante ao do Brasil, caso da Índia e Estônia. A tarefa, diz Lemos, tem de ser assumida pela Presidência da República, porque é no Poder Executivo que está a fragmentação.
Na Índia, o governo levou uma década para cadastrar 1,2 bilhão de pessoas. A identidade digital indiana é uma senha de 12 números, baseada em processos de identificação biométrica como impressão digital e íris dos olhos. Com o "documento" digital, a pessoa pode desde renovar a carteira de motorista até acessar seu prontuário médico. O setor privado também está sendo beneficiado pela tecnologia. Para comprar um celular, por exemplo, o consumidor só precisar usar seu número ou a impressão digital, sem precisar mostrar outros documentos, comprovar endereço etc.
O ITS Rio iniciou um trabalho para criar um mapa nacional da informação. A ideia é saber exatamente que órgãos governamentais guardam que dados dos cidadãos. "Dados, hoje, são capital", afirma Lemos.
No caso brasileiro, pode se dizer que é um capital que está sendo mal empregado. Uma das poucas coisas que o país tem na área de identificação digital é o e-CPF, usado principalmente para declaração do Imposto de Renda (IR).
Outro ponto que vai exigir atenção do governo é a criação de leis de proteção à privacidade. A necessidade de criar uma legislação específica voltou à discussão no Congresso brasileiro, mas a conversa está só no início e promete embates duros. Um dos pontos polêmicos é a defesa, por parte dos envolvidos, de uma diferenciação que acabaria impondo uma série de restrições ao setor privado, mas daria carta branca ao governo no gerenciamento de dados pessoais, inclusive com a permissão de vendê-los a companhias privadas.
Outros países da América do Sul já contam com leis de proteção a dados pessoais - como Argentina, Colômbia e Uruguai - e a ausência de uma legislação desse tipo pode inviabilizar a tentativa do Brasil de ingressar na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Outro ponto preocupante quanto ao cenário digital é a educação. Em 2014, o brasileiro Artur Avila recebeu a Medalha Fields, o Prêmio Nobel da matemática, mas o ensino básico dessa disciplina no país - fundamental para se ter, no futuro, profissionais capacitados na área tecnológica - é muito deficiente, para não dizer o mínimo.
Para mudar esse cenário, é fundamental interligar todas as escolas públicas à internet em alta velocidade, diz Lemos. "Não adianta ter uma escola desconectada e achar que o aluno vai aprender a programar", afirma.
A conexão rápida generalizada pode reduzir o determinismo geográfico, ou seja, as diferenças sociais entre quem mora em bairros mais e menos privilegiados. Além de garantir acesso a todo o conteúdo da web, isso pode alterar a dinâmica na sala de aula, fazendo com que a troca de informações entre professores e alunos seja mais produtiva.
Fonte: Valor Econômico
Data: 02/05/2018
Hora: 5h
Seção: Empresas
Autor: João Luiz Rosa
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Link: http://www.valor.com.br/empresas/5494933/pais-precisa-ter-um-projeto-que-situe-o-papel-da-tecnologia