(Celso Furtado apud Clélio Campolina Diniz -2009)[1]
A sociedade vem passando por grandes transformações nas últimas décadas, sobretudo pelo advento das novas tecnologias de comunicação e processamento de dados, o que vem promovendo a conscientização cada vez maior da população, especialmente pelo maior acesso a informação por meio da proliferação da internet, das redes de relacionamento e comunicação, impactando na vida política, econômica e social da população. Outra questão são as fortes mudanças climáticas advindas do aquecimento global que acabam impactando as economias locais devido as catástrofes ambientais e sociais de efeitos significativos. Destaca-se além disso a crescente redução de postos de trabalho advindo das mudanças radicais de modelos de negócios, que se apropriam das novas tecnologias e exigem cada vez mais capacidades individuais e produtividade. Da mesma forma é possível observar a falta de infraestruturas básicas para melhorar a qualidade de vida da população, sejam: na saúde, segurança, transporte e incentivos a educação e ao empreendedorismo de forma universalizada, principalmente em países pobres ou em desenvolvimento.
Outra questão relevante no pulsante e dinâmico cenário global é o impacto cada vez maior do processo de urbanização, com a migração de milhares de pessoas do campo e de outras localidades ao redor do mundo, para as cidades com melhores infraestruturas[2], qualidade de vida e recursos. Para fazer frente a todos estes cenários e desafios, se faz necessário a participação da sociedade organizada, principalmente por intermédio de atores regionais envolvidos no processo de construção de soluções customizadas que resolvam os problemas latentes e que planejem o seu futuro, contribuindo para a formulação de políticas locais (subnacionais) que podem influenciar as políticas nacionais, com o objetivo de alcançarem o pleno desenvolvimento econômico e social, de forma igualitária e equilibrada.
O tema do “desenvolvimento local” pode ser definido neste artigo como: à assistência e o apoio aos territórios menos desenvolvidos econômico e socialmente ou que demonstrem algum potencial de crescimento, com o objetivo de promover resultados positivos percebidos internamente e externamente à localidade. Neste processo, umas das questões fundamentais ao tema do desenvolvimento é o engajamento dos atores locais na construção de soluções adequadas a resolver os problemas existentes e planejar o futuro sustentável e promissor dos setores e comunidades do território a ser trabalhado. O território pode ser definido como: uma região, uma cidade, um bairro ou parte deste. O importante é delimitar o universo a ser analisado e buscar informações (quantitativas e qualitativas) sobre as características culturais e tecnológicas, econômicas, sociais e ambientais existentes.
É importante destacar que as interações (convergências) entre setores em uma determinada localidade, com o seu entorno e com outros territórios é um fator crítico de sucesso para o tema do desenvolvimento local. Esta lógica de interação demonstra a existência de um ecossistema econômico e social mais abrangente, sendo influenciado por ele e também podendo influenciá-lo, evidenciando o processo de interdependência. É muito importante evitar, então, na formulação de políticas de desenvolvimento, a visão fragmentada, isto é, desconsiderar o sistema produtivo, social e ambiental por completo. Esta é uma falha muito comum na formulação, execução e gestão dos programas de desenvolvimento atualmente existentes.
Na proposição de soluções para o desenvolvimento de uma localidade, deve ser levado em consideração a redução das desigualdades regionais e do fomento às potencialidades de grupos locais onde seus membros são identificados, não somente pelo espaço ocupado, mas por traços culturais singulares que proporcionam sentimento de pertencimento e empatia. Estas características locais podem ser potencializadas usando-se de informações organizadas por meio de metodologias científicas adaptadas para cada localidade.
Da mesma forma, dentro das questões referentes ao desenvolvimento local, as temáticas pertinentes a inclusão social produtiva e a sustentabilidade são fundamentalmente intrínsecas e interdependentes ao processo de desenvolvimento. Neste sentido, conforme relatório elaborado pelo PINUD (Inclusão Produtiva no Brasil, 2015), em “Objetivos Globais para o Desenvolvimento Sustentável”3*[3] foram descritos 17 objetivos estratégicos que servem de parâmetro no processo de construção de projetos de desenvolvimento socioeconômicos e ambientais visando a inclusão produtiva. Estes objetivos englobam questões referentes à: erradicação da pobreza por meio do incentivo a agricultura familiar e fome zero; a melhoria da saúde e bens estar da população e visitantes; educação de qualidade; igualdade de gênero; água potável e saneamento; energia limpa e acessível; trabalho decente inclusivo e crescimento econômico; indústria, inovação e infraestrutura; redução da desigualdade social, cidades e comunidades sustentáveis; consumo e produção sustentável através da economia circular e colaborativa; ações contra mudanças climáticas; vida na água; vida terrestre; paz, justiça e instituições eficazes com destaque para a importância das parcerias e dos meios de implementação das estratégias objetivadas.
Para o sucesso de um programa ou projeto de desenvolvimento se faz necessário o seu planejamento e implementação por meio de ações efetivas e metodologias adaptadas às necessidades de cada localidade. E para isso é necessário o engajamento dos atores locais, sejam eles: institucionais, representantes comunitários, governamentais, entidades de fomento, ONGs, setor privado e científico. Além destes atores locais, também de igual importância são os atores externos ao sistema, que podem fornecer acessória especializada, apoio e recursos. Pode-se concluir que o processo de desenvolvimento deve priorizar os atores endógenos ao sistema, mas não deve negligencia os atores exógenos que desejem dar as suas contribuições para a construção de um bom projeto, atuando como catalisadores de boas práticas, além de possíveis mediadores dos interesses individuais locais.
Cabe ressaltar que políticas de desenvolvimento se fazem necessárias quando as condições sociais e de mercado não interagem para criar condições de melhoria da qualidade de vida da população, de forma natural e espontânea. Então é possível definir que políticas públicas devam ser “implementadas” através de instrumentos que influenciam positivamente, diretamente ou indiretamente, para que a sociedade evolua de forma saudável, inclusiva e prospera, o que não aconteceria naturalmente sem a aplicação destas políticas. Estas soluções visam minimizam possíveis assimetrias e falhas de mercado, além dos interesses meramente individuais e oportunistas. Nesta abordagem é importante identificar fatores sistêmicos, estruturais e locais que influenciam o ambiente social e econômico, impactando na qualidade de vida e no ambiente de negócios de seus trabalhadores e empreendedores.
Com vista em propor soluções de curto e médio prazo, sem negligenciar a visão de longo prazo, se faz necessário identificar os fatores que mais estão próximos dos atores locais, que detém controle parcial ou total sobre o estabelecimento de propostas e ações de melhoria social e econômica. A comunidade também pode influenciar os agentes de formulação de soluções estruturais responsáveis por questões como: regulamentação, saneamento, educação e saúde, além dos assuntos ligadas ao ambiente de trabalho e de negócio. Em seguida, apesar das questões sistêmicas estarem aparentemente longe do processo de decisão dos atores locais, estes podem ser mais uma voz juntamente com outras localidades, a influenciar para mudanças sistêmicas necessárias a melhoria da qualidade de vida da população e da melhoria do ambiente de negócio. Em relação a este ambiente, cabe lembrar que a atividade empreendedora é um dos pilares para o pleno desenvolvimento econômico e social de um território, mas acaba sendo negligenciada em muitos programas de desenvolvimento.
Nos exemplos de sucesso de projetos de desenvolvimento local, é fundamental ressaltar a existência de perfis de lideranças positivas de destaque. Estes bons lideres, internos ou externos a localidade, apresentam características típicas de um perfil empreendedor. Neste caso identificam-se os perfis de indivíduos intraempreendedores. Para Perlard (2010)[4] intraempreendedores são pessoas que possuem uma capacidade diferenciada de análise de cenários, de criar ideias, inovar e buscar novas oportunidades. São pessoas que empreendem negócios de terceiros. Estes indivíduos, visto a sua importância para o sucesso de programas e projetos de fomento, são descritos por alguns pesquisadores como o italiano Paolo Gurisatti[5]. Paolo os definem como “Tigers” nos modelos dos distritos industriais italianos das regiões norte e noroeste daquele país, estendendo este conceito para os modelos dos arranjos produtivos locais brasileiros (APLs). Paolo chega a afirmar que a não existência destes indivíduos impacta negativamente nas iniciativas de políticas de fomento as aglomerações produtivas ou clusters, ao logo das cadeias produtivas e de valor.
Este artigo poderá fornecer para os seus leitores alguns caminhos para a elaboração de projetos e estudos com foco no desenvolvimento local, por meio da valorização da cultura e da convergência setorial (integração) como importantes “alicerces” para o desenvolvimento e para o processo de inovação, contribuindo para a criação de novos postos de trabalho e empreendimentos. O caminho para o pleno desenvolvimento depende então da participação da sociedade organizada através das instituições de: fomento, educação e ciência, de representantes empresariais e do trabalho, além dos representantes governamentais. Para muitos autores este modelo de desenvolvimento é chamado de “tríplice hélice”, sendo pouco utilizado na formulação, execução e gestão das políticas de desenvolvimento econômico e social atualmente existentes.
*Renato Dias Regazzi é Mestre em Gestão Tecnológica pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet/RJ), é Pós-Graduado em Engenharia de Produção, com ênfase em Qualidade/Produtividade, pelo Instituto Nacional de Tecnologia (INT/UFRJ), é Graduado em Engenharia Mecânica pela UFRJ. Possui MBA em Gestão Estratégica de Negócios e Inovação pela HSM Educação e é Pós-graduado em Formação de Lideranças pela Fundação Dom Cabral (FDC), e em Gestão Estratégica pelo Insead (Fontainebleau, França). Fez o curso de Estratégia e Mindset para Acelerar a Inovação na Universidade de Stanford (IEL), e o curso de Gestor de Projetos de APLs, pelo Bid/Promos, em Milão (Itália). Especialista em Desenvolvimento Regional. No Sebrae/RJ desde 1993, é atualmente gerente da Área de Grandes Empreendimentos do Sebrae/RJ, além de ex-Conselheiro Administrativo da Agência Desenvolve do Estado de Alagoas. É autor de diversos artigos, livros e publicações, e trabalha há mais de 20 anos com o tema do empreendedorismo e do desenvolvimento regional.
[2] O Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bid) projeta que em 2036 serão migradas 118 milhões de pessoas para as cidades na América Latina e Caribe: http://www.iadb.org/pt/banco-interamericano-de-desenvolvimento,2837.html
[3] Inclusão Produtiva no Brasil(2015)- PINUD http://www.pnud.org.br/arquivos/Relatorio%20Mercados%20Inclusivos%20no%20Brasil_PNUD_web.pdf
[4] Livro Intraempreendedorismo e Inovação: Uma Abordagem Especial. Regazzi,Bontorim e Kirszenblatt (2015) – www.riooportunidadesdenegocios.com.br
[5] André Urani, “Empresários e empregos nos novos territórios produtivos”, SEBRAE, 2012.