A tecnologia está revolucionando a medicina

26/06/2018

Nascido no país vizinho, Venezuela, e radicado nos Estados Unidos há uma década e meia, Rafael Grossmann ficou conhecido mundialmente em 2013, quando realizou a primeira cirurgia transmitida ao vivo pelo Google Glass. O dispositivo em formato de óculos que possibilita a interação do usuário com projeções, bem como a transmissão do que ele observa. A experiência serviu para transformar o médico num porta-voz que defende a aplicação da tecnologia nos serviços de saúde. Recentemente, Grossmann esteve no Brasil para participar de um evento de alta tecnologia de produtos para a saúde. E o jornal O Globo aproveitou para fazer uma entrevista com o médico. Confira o bate-papo abaixo.

De onde vem o gosto pela tecnologia?

Eu sempre amei a tecnologia, os gadgets. Eu sou o que os americanos chamam de geek. Quando eu era estudante na Amazônia venezuelana, fiz estágio numa região muito remota e isolada, sem comunicação, sem conectividade. Era o começo dos anos 1990. Não tínhamos telefone. De vez em quando, havia um rádio. Essa experiência moldou a minha paixão pela comunicação e conectividade. Eu realmente acredito que grande parte dos erros médicos, em todo o mundo, acontecem porque não estamos nos comunicando de maneira eficiente. Não apenas entre os médicos e as instituições, mas entre pacientes e médicos. E com gadgets, é muito fácil se comunicar com qualquer pessoa, em qualquer lugar, a qualquer hora.

Você fez a primeira transmissão ao vivo de uma cirurgia usando o Google Glass. Continua fazendo isso?

Não, porque a regulação nos EUA é muito restrita. Continuo com as transmissões com fins educacionais, mas não com pacientes reais, apenas simulações. Como professor, meu objetivo sempre foi melhorar a forma como meus estudantes aprendem sobre a cirurgia, mas nas aulas tradicionais eles ficavam atrás de mim, tentando ver o que eu fazia por cima dos meus ombros. Eu imaginei que usando a câmara do Google Glass poderia transmitir o que eu via, ao vivo. Então, eles poderiam acompanhar a cirurgia remotamente, pela perspectiva dos meus olhos.

Que equipamento você usa, após o Google Glass ser descontinuado?

Exixte uma percepção errada de que o Google Glass não existe mais. Ele está disponível. Existe uma versão do Google Glass, bastante melhorada, que eles chamam de Google Glass Enterprise. É muito melhor que o primeiro. No entanto, não está disponível para o público em geral, apenas para a indústria. Muitas companhias, principalmente no setor de saúde estão usando, por exemplo, nas entrevistas para elaboração do prontuário eletrônico. O médico grava e transmite a interação com o paciente, enquanto o escriba, que está assistindo a tudo remotamente, preenche os dados no prontuário. Então, o médico tem mais tempo e atenção para o paciente. Em vez de perder tempo preenchendo o formulário, ele pode focar no paciente.

Quais outras tecnologias têm potencial na medicina?

Existem tantas que poderíamos passar horas conversando. O uso da realidade aumentada e da realidade virtual no ensino da medicina está avançando muito rápido. O uso da inteligência artificial e de sistemas de aprendizado profundo para analisar grandes quantidades de dados estão ajudando no diagnóstico, fazendo com que médicos tomem melhores decisões sobre tratamentos. O uso da robótica, da nanotecnologia e dos drones está mudando a forma como praticamos a medicina. Está acontecendo uma revolução. Sabemos que cinco bilhões de pessoas no mundo não t6em acesso a tratamentos cirúrgicos, por exemplo. Faltam médicos, hospitais, enfermeiros e outros profissionais, porque a população está aumentando e as pessoas estão vivendo mais. Então, acho que a tecnologia pode ajudar a preencher essa lacuna facilitando o treinamento em todo o mundo. O acesso à medicina é um direito humano básico e usar a tecnologia de forma inteligente é uma das maneiras de assegurar isso.

Em países como Brasil e Venezuela, os problemas de infraestrutura podem ser uma barreira?

Acho que os países que terão os maiores benefícios serão exatamente os ainda não desenvolvidos. As tecnologias estão ficando menores, mais rápidas, menos caras. Na África, os smartphones dispararam. Todo o mundo tem acesso à internet até um certo grau. Então, é só uma questão de pensar em como usar essa tecnologia que está disponível para melhorar o acesso à saúde e ao treinamento médico.

A comunidade médica está preparada para essas novidades?

Cada vez mais. É sempre difícil a adoção de novidades, mas o meu papel como cirurgião e educador é informar. E os pacientes também precisam conhecer para demandar de seus médicos.

Como avanço da tecnologia, há quem preveja o fim da profissão de médico. Como vê isso?

A tecnologia é o andaime da Humanidade. Nós vimos nos séculos passados, como vemos hoje e veremos no futuro, a tecnologia tornando nossas vidas diferentes. Sim, algumas profissões irão desaparecer. Não temos mais calos nas ruas, temos carros. Em breve, autônomos. Algumas funções irão desaparecer ou se adaptar, mas isso vai abrir campo para novas. Na medicina, vamos usar nossa expertise para humanizar o trato com os pacientes. Deixaremos para o computador coletar, analisar e memorizar dados. Ele faz isso muito melhor. Não vou precisar procurar em centenas de artigos qual é a melhor droga para cada tipo de câncer. O computador fará isso, mas eu darei a notícia boa ou ruim.  Vou segurar sua mão, chorar ou sorrir com você. Os médicos não irão desaparecer, só os que não se adaptarem à tecnologia.

Texto com informações do Jornal O Globo

Data: 22/06/2018
Hora: ------
Seção: Sociedade
Autor: Sérgio Matsuura
Foto: Divulgação
Link: https://oglobo.globo.com/sociedade/a-tecnologia-esta-mudando-pratica-da-medicina-diz-pioneiro-de-cirurgia-com-google-glass-22813413