O presidente do conselho de uma das maiores empresas indianas de informática reconheceu ter forjado resultados financeiros básicos, como um caixa fictício de mais de US$ 1 bilhão. A revelação repercutiu em todo o mundo empresarial da Índia, e provavelmente fará muitos investidores questionar a validade dos resultados empresariais no país, agora que sua economia, antes tão aquecida, está arrefecendo.
B. Ramalinga Raju, fundador e presidente do conselho da Satyam Computer Services Ltd. - "satyam" significa verdade em sânscrito - declarou, em uma carta de renúncia, que há vários anos vem inflando os lucros em seus balanços, assim como os ativos, e contabilizando dívidas abaixo do valor real delas. Por fim, disse, esse esquema atingiu "proporções simplesmente inadministráveis", o que o deixou numa posição semelhante à de "estar montado em um tigre, sem saber como saltar fora sem ser devorado".
A notícia despertou preocupações quanto à governança corporativa e as normas de contabilidade de todo esse setor na Índia, especialmente porque a Satyam era auditada pela PricewaterhouseCoopers e até pouco tempo atrás tinha no conselho membros independentes de notoriedade, como um professor da Escola de Direito de Harvard. Era também uma das principais empresas do setor no país, um dos ícones que passaram a definir a nova indústria indiana, moderna e com tecnologia de ponta, capaz de competir na arena mundial.
A PricewaterhouseCoopers comunicou que está examinando as declarações de Raju e não quis fazer mais comentários.
De imediato foram feitas comparações com as profundas transformações realizadas nos Estados Unidos nas normas de governança e contabilidade corporativa que resultaram da crise da Enron. Num comunicado, a Confederação das Indústrias Indianas, influente grupo do setor, declarou: "Existe a necessidade de examinar imediatamente as brechas na regulamentação, contabilidade, auditoria e governança que permitiram que tais lapsos ocorressem, e tratar de saná-los com urgência".
As ações do índice Sensex, referência da Bolsa de Valores de Bombaim, caíram 7,3%, fechando em 9.586,88. Em Mumbai, as ações da Satyam caíram 78%, para 39,96 rupias. A Bolsa de Nova York não negociou os ADRs da empresa ontem.
C.B. Bhave, presidente da Comissão de Valores Mobiliários da Índia, principal órgão regulador dos mercados, disse em entrevista pela televisão que a fraude parece ser "de uma magnitude horripilante". O governo deve passar o caso para a agência que investiga fraudes graves. Raju, de 54 anos, não estava disponível para comentar, segundo um porta-voz da Satyam.
Filho de um fazendeiro, Raju tirou seu MBA na Universidade de Ohio, dos EUA, e voltou para a Índia convicto de que o país deveria se tornar competitivo em nível global, segundo uma pessoa que o conhece. Foi dos primeiros a reconhecer que havia um potencial de crescimento para as firmas indianas de tecnologia se aproveitassem a chance de remediar os eventuais erros de software que se acreditava ameaçar computadores do mundo todo na mudança do milênio.
Fundada em 1987, a Satyam tornou-se a quarta maior firma de tecnologia da Índia em vendas, empregando 53.000 pessoas em sua sede na cidade de Hyderabad, no sul do país. Enquanto fazia a empresa crescer, Raju também patrocinou uma série de fundações sem fins lucrativos, destinadas a melhorar a vida da população rural da Índia com projetos de saúde e tecnologia.
A Satyam conta entre seus clientes com gigantes multinacionais como a Nestlé SA, a General Electric Co., a Caterpillar Inc., a Sony Corp. e a Nissan Motor Corp. Mesmo assim, é sabido que Raju costumava se queixar de que a Satyam nunca atingira a alta visibilidade de firmas de tecnologias maiores como Wipro Ltd. e Infosys Technologies Ltd.
Um porta-voz da Nissan disse que a empresa não tem planos de cortar suas relações com a Satyam, mas que "estará atenta à situação no futuro".
Uma porta-voz da Nestlé disse que a Satyam tinha garantido a continuação dos serviços normais e que não se esperava nenhuma interrupção. Sony e Caterpillar não quiseram comentar. A GE não respondeu aos pedidos de comentário.
A queda da Satyam ocorre numa época difícil para as firmas indianas de tecnologia, que passaram a simbolizar as aspirações do próprio país como superpotência comercial e grande força mundial na terceirização de serviços e gestão de dados. O setor, embora empregue diretamente apenas 2 milhões dos 1,1 bilhão de habitantes da Índia, ajudou a construir um pujante setor de serviços em metrópoles movimentadas como Bangalore, Mumbai, Déli e Hyderabad.
Mas o setor foi basntante atingido agora que muitos clientes estão sucumbindo ao declínio da economia mundial. Wall Street é um grande cliente. No ano fiscal terminado em 31 de março de 2008, a Satyam divulgou US$ 2,1 bilhões de faturamento, dos quais US$ 400 milhões vieram de montadoras, entre elas as combalidas General Motors Corp. e Ford Motor Co., segundo a empresa, embora os números de vendas da empresa agora esteja sob questão.
Em uma visão mais ampla, banqueiros e analistas já disseram que a desaceleração econômica da Índia pode provocar mais revelações negativas de empresas do país. Algumas começaram como pequenas firmas familiares e em poucos anos se tornaram grandes multinacionais, sem ter desenvolvido os padrões de transparência e governança corporativa que os investidores internacionais esperam encontrar.
"Há boas chances de que casos assim aumentem, nos quais haja certas irregularidades contábeis e a verdade tenha sido suprimida", disse Jigar Shah, diretor de análise da Kim Eng Securities India Ltd. de Mumbai.
Esses problemas podem tornar mais difícil para a Índia atrair de volta as enormes somas de investidores internacionais, dinheiro que fugiu do país quando a economia começou a esfriar. Ontem a Aberdeen Asset Management, firma de investimentos do Reino Unido que era a maior acionista da Satyam, vendeu toda a sua participação de 5,2%. Um porta-voz da Aberdeen preferiu não comentar.
Em sua carta de confissão de cinco páginas para o conselho da Satyam, Raju disse que no começo o hiato entre o lucro operacional real da empresa e o que constava no balanço era insignificante. Mas conforme a Satyam cresceu e seus custos aumentaram, também se expandiu a diferença. Raju temia que se o desempenho da empresa fosse visto como fraco, isso poderia levar a uma tentativa de aquisição que exporia a lacuna. Então, criou maneiras de tapar o buraco.
Fonte: Valor Econômico
Data: 08/01/2009
Autor: Niraj Sheth, Jackie Range e Geeta Anand (The New Street Journal)