Sergio Rezende: "Estamos tranquilos com a execução do plano porque temos a palavra do presidente"

17/02/2009

Ministro da C&T diz que é preciso maior transparência na tramitação da proposta de orçamento, para que haja tempo de serem tomadas medidas em caso de eventuais distorções

Ana Lúcia Andrade e Ciro Carlos Rocha escrevem para o “Jornal do Commercio”:

Ministro da Ciência e Tecnologia há três anos, Sergio Rezende (PSB) é um homem de poucas palavras. Sobretudo com a imprensa. Mas diante da “garfada” que o Congresso deu no orçamento de sua pasta, R$ 1,5 bilhão, não se conteve e disparou contra o relator do orçamento: “O relator foi irresponsável com o futuro do Brasil”.

Assegura que, depois da reação, recebeu das equipes econômica e de planejamento do governo a garantia de que o orçamento será recomposto. Credita a medida à “palavra do presidente”. Segundo Rezende, com Lula no Poder, os recursos para a Ciência e Tecnologia no Brasil só cresceram. E decreta: Se tem um governo que não fez bem à Ciência e Tecnologia foi o de Fernando Henrique”.

Leia entrevista com o ministro:

- O senhor já está a frente do Ministério da Ciência e Tecnologia há quanto tempo?

Desde julho de 2005. Mas já estou cansado. Essa vida fora de casa, viagem demais, cansa muito. Antes do ministério eu estava na Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). Minha mulher disse que eu abandonei o lar há seis anos. Entrei na Finep quando o ministro da Ciência e Tecnologia era Roberto Amaral (2003-2004). No ano seguinte Eduardo (Campos) assumiu e foi quando o ministério começou a mudar bastante porque Eduardo, com toda a capacidade e energia que tem, fez um trabalho de planejamento estratégico e o ministério passou a ter uma política bem abrangente. Quando assumi o ministério procurei consolidar essa política. Com o início do segundo mandato (do presidente Lula), com base nessa política, nós fizemos um plano de ação em ciência e tecnologia que tem quatro linhas de ação: expansão e consolidação do sistema nacional de ciência e tecnologia, promoção e inovação tecnológica das empresas, pesquisa, desenvolvimento e inovação em áreas estratégicas, e ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento social. São quatro prioridades divididas em 21 linhas de ação e 87 programas. Esse é um plano do governo federal e tem uma estimativa de 41 bilhões de reais. O presidente Lula chama ele de o “PAC da Ciência”.

- E o “PAC da Ciência” já concretizou muita coisa?

Bastante. Eu levei ao presidente Lula, numa reunião anteontem (a entrevista foi concedida na sexta-feira, dia 6), os resultados de alguns programas maiores. Por exemplo, o Brasil, que não tinha formação de pesquisadores até 1964, hoje tem 118 mil pesquisadores, sendo 36 mil doutores e 41 mil mestres. Tem 50 mil pessoas fazendo doutorado e 90 mil fazendo mestrado. Em 2007 foram formados cerca de 10 mil doutores e 33 mil mestres. São dados do Diretório de Pesquisa do Brasil do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Outro bloco que também cresceu muito no Brasil é o da chamada Plataforma Lattes (base de dados de currículos e instituições das áreas de Ciência e Tecnologia): já tem um milhão e 100 mil currículos. Só de 2003 para cá aumentou em 600 mil. Quanto às bolsas do CNPq e da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), fizemos uma projeção para chegar em 2010 com 170 mil bolsas. Desde que o plano foi criado o número de bolsas da Capes aumentou em 10 mil e as do CNPq em 15 mil.

- O ex-ministro da Educação Cristovam Buarque (PDT) reclamava muito do apoio do governo Lula para a área da Educação. Pelo visto o senhor não tem do que reclamar no apoio à Ciência e Tecnologia?

O apoio do presidente é muito grande. Os reitores e diretores de centro sabem muito bem a mudança que foi em termos de recursos na infra-estrutura das universidades e de concurso para professores. Agora, 2003 foi um ano muito ruim, o governo como um todo fez um ajuste fiscal muito grande. Então ele (Buarque) se colocou numa posição discordante do governo seis meses depois. Fica um pouco complicado. Segunda-feira passada (dia 2) teve uma reunião ministerial onde um dos assuntos discutidos foram os cortes que o Congresso fez para a Ciência e Tecnologia. E o presidente Lula disse que só não pode cortar na Educação, no PAC, na Saúde, recomendou que cortasse pouco, e disse que tem que priorizar a Ciência e Tecnologia.

- Mas o senhor sofreu, recentemente, um corte expressivo no orçamento do seu ministério.

Sim. Todos os anos, a Ciência e Tecnologia só recebe propostas de aumento do orçamento. Mas dessa vez, dois dias antes do último dia para votar o orçamento do ano passado, o relator apresentou seu relatório cortando um bilhão e meio de reais de um orçamento de seis bilhões. É um corte maior do que o orçamento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). E o relator é o senador Delcídio Amaral (MS) do Partido dos Trabalhadores. Eu já não falo para imprensa, falo muito pouco, mas respondendo a um telefonema do jornal Folha de S. Paulo, eu disse: “O relator foi irresponsável com o futuro do Brasil”. Ele escreveu uma carta ao jornal dizendo que eu estava mal informado, que o orçamento tinha sido recomposto, mas o que aconteceu é que ele cortou um bilhão e meio de reais e colocou no projeto mais 500 milhões de emendas de parlamentares. Ele disse que, na verdade, só cortou um bilhão. Mas do nosso projeto foi um bilhão e meio. Porque as emendas são importantes mas, em geral, são para ações junto às bases dos parlamentares. Se fossem aditivo ao (orçamento) MCT estava ótimo. E o mais grave é que ele cortou 200 milhões de reais de bolsas do CNPq. Quando eu soube do relatório liguei imediatamente para o ministro Paulo Bernardo (Planejamento). Em geral, os relatores combinam com o governo o que vão fazer.

- As emendas parlamentares destoam muito das prioridades definidas no orçamento pelo ministério?

Não podem destoar muito, do contrário não poderão sequer ser colocadas. Em geral há grandes emendas, as de bancada, voltadas para parques tecnológicos, que chegam a 20 ou 30 milhões de reais. Os deputados colocam para inclusão digital, centros de inovação tecnológica, arranjos produtivos locais... Agora, colocam isso e tiram de bolsa do CNPq. É uma coisa muito errada. Mas voltando para a conversa que tive com o ministro Paulo Bernardo, ele telefonou para Delcídio, e diante do argumento do relator de que não podia alterar seu relatório, porque não daria tempo para a aprovação no prazo estabelecido, eles fizeram um acordo. Criaram um artigo novo com uma receita nova proveniente de vendas de ativos da rede ferroviária federal. Previram uma receita de dois bilhões e meio de reais. Então já tem uma recomposição, pelo decreto que o presidente assinou, de 510 milhões de reais, mas há disposição da área econômica de nos próximos meses fazer a recomposição do restante. Agora, as bolsas do CNPq são sagradas. Não tem perigo de faltar dinheiro para elas. Mas estamos tranquilos com a execução do plano porque temos a palavra do presidente. Aliás, o aumento do orçamento do MCT só ocorreu por conta disso.

- Esse aumento vem desde o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso?

O presidente Lula sempre diz que talvez por ele nunca ter frequentado uma Universidade ele a valorize tanto, porque desconhece seus defeitos e só enxerga as qualidades. Para a sociedade brasileira, a grande mídia não passa isso. Acha que o presidente faz populismo, critica o Bolsa-Família, e a sociedade não percebe o que está sendo feito em Ciência e Tecnologia, em educação superior e na Educação como um todo. Nunca tinha havido um corte assim no ministério da Ciência e Tecnologia. Nós estávamos com um aumento no projeto de lei muito grande e eu acreditava que esse orçamento seria apoiado pelo Congresso porque sempre houve esse apoio. Mas dessa vez o relator foi irresponsável.

- O próprio formato de costura do orçamento precisa de uma reformulação em sua avaliação?

Acho que sim. Do jeito que é feito, em que o relator apresenta o relatório dois antes do último dia da votação! Tem alguma coisa errada. A tramitação não está correta. É preciso maior transparência para que haja tempo de serem tomadas as medidas em eventuais distorções.

- O senhor reclama da falta de reconhecimento das ações do governo Lula nas áreas de Educação e Ciência e Tecnologia. Esse desconhecimento é reflexo de um certo preconceito com o presidente?

A mídia não entende porque o presidente tem um percentual tão alto de popularidade. É preconceito sim. Não havia nenhum preconceito com o nosso presidente anterior (Fernando Henrique). Ele era a pessoa mais capacitada intelectualmente, professor da Sorbonne. Mas se tem um governo que não fez bem à Ciência e Tecnologia e à Educação foi o governo Fernando Henrique. Todo mundo da comunidade (científica) sabe disso. O orçamento do MCT era pequeno comparado com o de agora. Mas Fernando Henrique se achava o dono da verdade.

- Talvez o governo Lula falhe também na comunicação do que ele está fazendo nessas áreas.

Pode ser. Mas deixa eu contar algo que mostra que é mais do que isso. Na última terça-feira (dia 3), eu e o ministro Fernando Haddad (Educação) convocamos uma coletiva para anunciar o resultado da Olimpíada Brasileira de Matemática na Escola Pública. Foram 18 milhões de estudantes, de 40 mil escolas públicas e de 98% dos municípios do Brasil. É a maior olimpíada de ciência do mundo. Pois bem, não tinha um grande jornal lá. É uma olimpíada feita só para escola pública, os três mil premiados recebem bolsa do CNPq e assistência de 200 censos do Brasil para continuar estudando matemática, então é uma coisa interessantíssima que está ocorrendo na escola pública e o que saiu no dia seguinte nos jornais? Nada, isso não existe! Não é fácil comunicar determinadas áreas. A cultura e educação não são valorizadas no Brasil.

- O senhor tem filiação partidária?

Sou filiado ao PSB desde 1998 por conta de uma enorme admiração que adquiri por doutor Arraes. Aprendi muito com ele, inclusive na direção de que Ciência e Tecnologia não podem ficar restritas às universidades, aos centros de pesquisa, nem às empresas. Tem de chegar na população. Muitas das coisas que estamos fazendo chegam na ponta. Mas minha participação na vida pública se encerra em 31 de dezembro de 2010. Já passei por todos os cargos. Fora da universidade, fui diretor científico da Cacep, secretário de Estado de Ciência e Tecnologia, secretário da Prefeitura de Olinda, e agora como ministro estamos fazendo bastante coisa, mas me dou por realizado, cheguei aonde podia chegar. Vou voltar à minha vida de professor e pesquisador. Na verdade, nunca parei de fazer pesquisa.

- O senhor já foi convidado para disputar algum mandato?

Já, e até pensei nisso, mas não penso mais nessa possibilidade. Realmente não tenho nenhum interesse pela atividade legislativa. Sou um pesquisador, isso está no meu gen, me realizo com isso. Sempre vou estar ajudando o Estado e o Brasil de alguma forma, mas já cheguei no ponto máximo, aonde poucos chegam. Mas ao mesmo tempo sentindo na pele o desgaste do que é fazer as coisas.

- O senhor foi convidado para disputar um mandato de federal?

Para federal fui convidado insistentemente. Mas fui convidado para uma fria em 2002 (risos). Fui pré-candidato a governador do Estado por insistência de doutor Arraes. Doutor Arraes queria porque queria. Eduardo (Campos) não queria, naturalmente, mas terminou concordando. Às vésperas de ser realmente lançada (a candidatura), eu tinha um convite para ir a Tunísia. Doutor Arraes me pediu para não viajar, porque a semana seria decisiva, mas eu lhe disse: “Agora mesmo é que eu vou viajar, os políticos que discutam o que vai acontecer”. Então viajei e vi pela internet o resultado. Uma polêmica enorme em torno da minha candidatura, diziam que eu era um técnico, que não tinha nada com a política, e acabou entrando Humberto Barradas, que também foi bastante criticado durante duas semanas, e entrou Dilton (da Conti) que obteve 300 mil votos. Nunca mais eu entro numa dessa! Na eleição seguinte me convidaram para deputado federal. Não entro de jeito nenhum. João Bosco resolveu aceitar o desafio. Eu realmente não tenho nenhuma vontade de ter uma atividade parlamentar. O executivo dá trabalho mas com apoio e uma boa equipe você consegue retorno.

Site: Jornal da Ciência
Data: 16/02/2009
Hora: ------
Seção:------
Autor:------
Link: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=61707