A Revista Época desta semana traz uma matéria sobre TV na internet. Os criadores do Videolog Ariel Alexandre e Edson Mackeenzy falam sobre o T!V!, uma alternativa de qualidade para essa nova mídia.
A internet chegou à televisão
Novas tecnologias levam os vídeos da rede à TV da sala. Começa uma nova batalha por sua audiência
Renata Leal
NO CONTROLE REMOTO
Fotomontagem da tela do programa Boxee, que passa conteúdos da internet para aparelhos de TV nos EUA. Seriados e filmes são os mais procurados
Há uma espécie de esquizofrenia no modo como assistimos a vídeos hoje. Quando ligamos a TV, em geral nos esparramamos no sofá para ver programas feitos com os melhores recursos técnicos, atores e equipe profissional. Quando vamos para o computador, assistimos a vídeos amadores, como o de duas meninas dançando créu, ou curtas virais, como o de Ronaldinho Gaúcho tentando acertar uma trave, produzido pela Nike. Essa disparidade de comportamentos pode estar chegando ao fim. Uma onda de novas tecnologias promete tornar realidade a convergência entre a TV e a internet. Os dois mundos começam a se aproximar. Do lado da internet, surgem filmes, seriados para a web, animações, esquetes divertidos e vídeos caseiros. Do lado da TV, as emissoras experimentam programações interativas, como a votação do Big brother, pay-per-view, canais de compra e transmissões esportivas em que é possível escolher de que ângulo ver o jogo. “A TV entende e antecipa os desejos do telespectador, por isso é o veículo com maior possibilidade de liderar a convergência das mídias”, diz Luis Erlanger, diretor da Globo.
Uma das mais promissoras tecnologias é o Boxee, um programa livre e gratuito que está em sua primeira fase de testes nos Estados Unidos. Ele é uma espécie de rede social em que você pode ver conteúdo, dar notas e ainda recomendar programas a seus amigos. Funciona como um agregador de vídeos da internet. Em sua tela principal ficam os símbolos de cada canal, tanto da TV aberta ou a cabo quanto da web. Há desde grandes emissoras, como a CNN e a ABC, até sites como o YouTube, o MySpace TV e o Blip.TV. O que o torna atraente é a facilidade de entrar num único programa para acessar tudo, em vez de correr site por site atrás de novidades.
É possível acessar os canais e consultar sua programação usando o controle remoto. Se você gosta de determinado seriado que está disponível na internet, por exemplo, pode programar o Boxee para lembrá-lo toda vez que um novo capítulo estiver no ar.
Desde junho do ano passado, cerca de 200 mil pessoas testam o programa – que por enquanto só está disponível no sistema Linux (criado por desenvolvedores) e Mac OS, da Apple. Também funciona no Apple TV, um aparelho da Apple usado para armazenar arquivos multimídias, como fotos e vídeos, e alugar ou comprar filmes pelo iTunes. A primeira versão para Windows está sendo distribuída para algumas pessoas por convite.
Outra opção é o ZeeVee, que funciona de forma semelhante ao Boxee, mas sem os recursos de rede social. No PC, pode ser baixado gratuitamente e instalado como um programa qualquer. Você vê tudo no monitor do computador ou pode ligar um cabo à TV da sala. Nos EUA, já dá para comprar um aparelho decodificador do ZeeVee e instalá-lo direto na TV. Custa cerca de US$ 400. Migrar para os decodificadores deverá ser o passo natural do Boxee também. Com avaliações promissoras até agora, ele pode se espalhar rapidamente e funcionar da mesma forma que no AppleTV. Se esses serviços se tornarem populares, a união entre a programação da TV e a da internet estará consolidada.
As grandes fabricantes de TVs também estão de olho na possibilidade de assistir à programação da internet na televisão. Durante a CES, a principal feira de produtos eletrônicos do mundo, realizada em janeiro, em Las Vegas, a Samsung, a Sony, a Toshiba, a Panasonic e a LG lançaram aparelhos que já vêm prontos para navegar na internet. Isso deve facilitar a inclusão dos vídeos hoje restritos aos sites.
Esses vídeos poderiam ganhar espaço na TV. Seria bom, por exemplo, para Ariel Alexandre e Edson Mackeenzy, criadores do Videolog, um portal de vídeos semelhante ao YouTube. Eles fizeram a T!V!, um tipo de TV na internet em que qualquer pessoa pode criar um canal com sua própria programação, juntando vídeos próprios a outros que estejam nos sites Videolog, YouTube, Metacafe e Vimeo. Alguns canais estão em alta definição e podem ser vistos na TV, se o computador for ligado a ela por cabos. A diferença do T!V! para o Boxee ou o ZeeVee é que ele não precisa ser instalado. Basta abrir o site e assistir aos canais. “O objetivo por enquanto é atender a um mercado carente de conteúdo, e com ferramentas que aumentam a produtividade dos gestores”, afirma Ariel Alexandre. “Mas temos projetos para colocar a T!V! na TV Digital.” No modelo que o Brasil adotou de TV digital, é preciso usar um decodificador para receber o sinal. A T!V! poderia ser instalada como um programa diretamente no aparelho, como o ZeeVee.
Ainda há, porém, problemas técnicos que impedem que você curta todo o conteúdo da internet na TV da sala, com a imagem tão boa quanto a da novela das 9. O primeiro é a transmissão dos dados. Com o crescimento do serviço de banda larga em residências, está se tornando mais fácil assistir a vídeos. Ainda assim, se a procura por um mesmo título é alta, os sites costumam ficar congestionados. O segundo ponto, diretamente relacionado ao primeiro, é a qualidade da imagem. Ela melhorou muito desde que alguns sites começaram a oferecer a opção de alta definição (HD). Mas só dá para ver vídeos em HD se a conexão de internet os aguentar. Em baixa definição, os vídeos podem ser vistos apenas na tela do computador. Em alta, eles têm a mesma qualidade do sinal de TV a que estamos acostumados.
Vencer essas dificuldades é uma questão de tempo. A solução pode ser maior banda de transmissão de dados. Ou uma melhor tecnologia de compressão de imagem, como a do Videolog. O site pode receber arquivos mais pesados e compactá-los até o ponto ideal de exibição com qualidade e velocidade. Para isso, o arquivo é separado em dois: imagens para um lado, som para o outro. As duas partes são comprimidas e unidas novamente. Com isso, um vídeo pesado de 100 megabytes pode terminar o processo com apenas três, tamanho mais fácil de transmitir.
Superadas as dificuldades técnicas, deverá começar a guerra do conteúdo. Com mais acesso, qualquer pessoa poderá ter seu canal de TV. Será que os grandes estúdios vão perder espaço para milhares de pessoas independentes que postam vídeos? Se isso acontecer, como eles terão dinheiro para realizar as megaproduções a que estamos tão acostumados? A rigor, essa questão já existe. Não é necessário que as programações estejam no mesmo aparelho para que haja competição: os filmes e as novelas competem pelo tempo do espectador. Um aparelho que una a internet à TV pode até dar mais audiência ao conteúdo das emissoras.
Nos Estados Unidos, as produções de maior sucesso na internet têm sido as séries de TV. A vantagem da internet é que as pessoas podem vê-las na hora que quiserem, sem precisar se limitar à grade de programação. Um grande destaque americano é o site Hulu, adotado pelas redes NBC e Fox. O Hulu oferece mais de 250 seriados, entre novos e antigos, com todos os episódios. Só em fevereiro ele cresceu 42%. Chegou a 330 milhões de vídeos vistos. Como depende de acordos de direitos autorais e comerciais, por enquanto o Hulu só funciona nos EUA – e no mesmo modelo das TVs: não cobra nada dos espectadores, vende anúncios publicitários. No site, você pode escolher se prefere ver comerciais no meio do programa ou tudo de uma vez, no início. Mas é obrigado a vê-los. Algumas marcas estão testando comerciais personalizados: uma empresa automobilística dá a opção de escolha entre propagandas de três carros diferentes.
O Hulu tem obtido lucro. O YouTube, que tem maior variedade de assuntos, mas menos qualidade, continua no zero. O consultor americano Arash Amel, da Screen Digest, estima que no ano passado o Hulu tenha conseguido US$ 65 milhões em receita de propaganda, com lucro de US$ 12 milhões. O YouTube, com uma audiência dez vezes maior (89,5 milhões de espectadores, em comparação a 8,5 milhões do Hulu nos Estados Unidos), teve US$ 114 milhões de receita – sem lucro. Para este ano, Amel estima que a receita de publicidade do Hulu suba para US$ 175 milhões, próxima ou até maior que a do YouTube. “O modelo de propaganda é bem-sucedido, já deu certo”, diz Erlanger, da Globo. “O que se discute agora é a evolução desse modelo para que ele acompanhe o movimento tecnológico.”
Os números revelam que a inovação depende do conteúdo de qualidade, gerado pelas emissoras tradicionais, e reforçam a noção de que o modelo de negócio das TVs seguirá sendo o padrão. Embora um vídeo chamado Evolution of the dance (Evolução da dança), de um sujeito dançando vários ritmos no YouTube, tenha sido visto por 116 milhões de pessoas, o grande público dá sinais de que é fiel às superproduções.
Revista: Época
Data: 28/03/2009
Autor: Renata Leal
Seção: Mente Aberta