Sobre TV digital: os mitos e as realidades

06/07/2009
O diretor da Central Globo de Engenharia, Fernando Mattoso Bittencourt Filho, proferiu, em 17 de junho último, palestra sobre o "Modelo da TV digital no Brasil", no Conselho Empresarial de Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). Abordou a presente situação e o futuro da televisão digital no País.Coordenaram o encontr Fernando Sardini, presidente do Conselho Empresarial de Tecnologia, e Fabiano Gallindo, da Gerência de Desenvolvimento e Inovação, ambos da Firjan. Citando Machiavelli, "o que é novo é mais difícil de ser implantado", declarou com certo orgulho Fernando Bittencourt que a televisão digital levou mais de dez anos para ser implantada no Brasil, mas que hoje "temos a melhor tecnologia e o melhor modelo de TV digital aberta do mundo".Em 1994, um grupo de engenheiros, com participação eventual do Governo, começou a estudar o problema da TV digital no Brasil. Em 1998, ocorreu no Brasil a primeira transmissão em televisão de alta definição, com imagens da Copa do Mundo da França. No ano seguinte, os radiodifusores produziram um relatório posicionado-se em relação à televisão digital. Em 2001, começaram as primeiras demonstrações da TV digital no Rio e em São Paulo. Em 2003, o Governo Lula definiu um sistema próprio para a televisão digital brasileira.Em 2006, é estabelecido o padrão brasileiro de TV digital, com base no padrão japonês ISDB-T (Integrated Services Digital Broadcasting – terrestrial), acrescido de novas tecnologias de compressão (MPEG-4) e de middleware. Em suma, foram quatro anos analisando os sistemas de TV digital, dos EUA, Europa e Japão, oito anos de discussão com diversos governos federais, mais de 600 reuniões de trabalho e mais de 100 demonstrações.O Sistema Brasileiro de Televisão Digital é reconhecido pela UIT como um quarto sistema mundial, ao lado do norte-americano (ATSC-Advanced Television System Committee), europeu (DVB-T digital vídeo broadcasting terrestrial) e japonês (ISDB-T). Países como Argentina, Chile e Equador poderão adotar o sistema brasileiro. O Brasil criou um novo padrão de televisão digital, que está registrado em mais de 3 mil páginas de documentação em Inglês, Português e Espanhol.O Modelo da TV DigitalO cenário da TV Digital gira em torno do provimento, programação e produção, distribuição e consumo do conteúdo audiovisual, sob forma digital.O provimento pode ser "ao vivo", isto é, em tempo real, interativo e sob demanda. A programação e a produção se destinam a preparar e a entregar o conteúdo para ser distribuído por uma variedade de meios. Dentre eles, satélites, cabo, banda larga de telecomunicações, transmissão aberta de TV e rádio – fixa, móvel, portátil –, celular de banda larga e radiodifusão. O consumo do audiovisual pode se dar por aparato fixo (inclui o televisor de alta definição), móvel, por celular e por reprodução de produtos previamente armazenados (DVD, HD DVD, Blu Ray). Para o palestrante, o segmento de telecomunicações visto como uma mídia é particularmente adaptado aos produtos "sob demanda" e que sugere um modelo de negócios baseado numa comunicação bidirecional assimétrica paga pelo usuário. Já no caso da IPTV, ou televisão por Internet, trata-se de um produto de consumo. “A grande vocação da TV digital aberta será o da mobilidade fora de casa”, opinou o diretor da Central Globo de Engenharia. A "pizza" da TV digital Os quatro pedaços da pizza da TV digital são a alta definição, a interatividade, a mobilidade e a portabilidade. A imagem de alta definição (1920 por 1080 pixels) na TV aberta, que é gratuita – é suportada por publicidade –, vai dar oportunidade a que todas as classes econômicas possam usufrui-la, algo que não aconteceria se ela fosse apenas utilizada na televisão por assinatura, apanágio das classes mais abastadas, observou Fernando Bittencourt.Já a interatividade da TV digital é uma característica rica em possibilidades e que começa a percorrer o mundo. Numa primeira etapa, a interatividade ocorre entre o usuário e o televisor. Este último armazena informações vindas juntamente com o sinal audiovisual principal e dá ao usuário a sensação da escolha, num cardápio de opções que surge na tela. Numa segunda etapa, com o retorno feito por Internet banda larga, se amplia muito a escolha de opções.A mobilidade prevê a recepção de TV digital em automóveis e coletivos. A TV Globo vai colocar a TV digital em alguns ônibus e por ora estuda o problema de como será feita a entrega do áudio. A Fiat vai embutir de fábrica um televisor digital em alguns modelos de seus veículos. Quanto à portabilidade, previu o especialista que será comum o uso de um dispositivo multimídia que captará, pelo ar, não só a imagem da TV digital gratuita como também o conteúdo (pago) vindo pelo sistema celular.Alguns mitos da TV digitalSegundo desabafou o palestrante, a implantação da TV digital fez surgir diversos mitos que precisaram ser vencidos. A começar que a solução para a TV digital no Brasil deveria ser o padrão norte-americano ATSC ou o europeu DVB-T. No entanto, o primeiro não possuía boa mobilidade e o segundo não tinha a opção de alta definição.Outro estigma, por ocasião da escolha do padrão digital de televisão, foi o "efeito Pal-M". Dizia-se que o sistema brasileiro de TV digital, baseado no ISDB-T japonês, seria restrito ao Brasil e isto o isolaria do restante do mundo, tal como aconteceu no passado com o padrão Pal-M (Phase Alternating Line–M), adotado para a televisão analógica. Outro problema encontrado foi quanto a relativa timidez da indústria de televisores no Brasil, que só se pronunciou após ter sido dada a decisão a favor do padrão de TV digital aberta nipo-brasileiro. Constituíram exceções a esta atitude a LG (norte-americana) e a Phillips (européia), que entraram numa disputa pesada em defesa dos padrões tecnológicos de sua respectivas matrizes."As emissoras de televisão foram as locomotivas do processo da TV digital no País", defendeu o diretor da Central Globo de Engenharia. O preconceito contra a tecnologia local aflorou no processo da escolha do padrão para a televisão digital brasileira. Foi o caso do sistema de middleware Ginga, desenvolvido por técnicos e acadêmicos brasileiros da PUC-Rio e da UFPb. As realidades da TV Digital A presença da TV analógica está em contagem regressiva no mundo. Nos EUA, desde 12 de junho último, desapareceram do ar os sinais da televisão analógica. No Japão e na Europa, porém, isto vai acontecer daqui há dois anos. No Brasil, o sinal da TV analógica deve permanecer até junho de 2016. A partir de janeiro de 2010, porém, todo novo televisor já deverá vir equipado para suportar TV digital.Hoje, as emissoras brasileiras de televisão aberta operam em simulcast. Ou seja, emitem sinais analógicos e digitais de um mesmo programa. O término da emissão analógica vai liberar um espectro precioso em VHF, "que vai render muito dinheiro para o Governo, que, nesse sentido, terá interesse em subsidiar a venda de televisores digitais", prenunciou Bittencourt.Um canal de televisão digital ocupa 6 MHz de espectro que podem ser ocupados por um programa de alta definição ou por mais de um programa (multiprogramação) de definição menor. A necessidade por mais conteúdo, inclusive de cunho interativo, tenderá, portanto, a crescer. A vocação natural do Rio de Janeiro é o da geração de conteúdo.O Brasil produz mais minutos de telenovela do que Hollywood de cinema. A Globo produz o equivalente a um filme por dia. É a audiência que acaba, em última análise, selecionando qual o rumo da programação.A interatividade vai enriquecer a eficácia da TV educativa e dos cursos de educação à distância. Vai facultar a presença de um professor global, complementar. Entidades de pesquisa, como o CPqD, estão desenvolvendo soluções de e-learning e a utilização de redes digitais na educação. A interatividade, no entanto, se por um lado constituiu uma benesse, por outro é um desafio para a conservação da audiência e para preservar a eficiência da publicidade convencional. O Japão já tem cerca de 40 milhões de usuários de aparatos móveis que captam sinais bidirecionais de telecomunicações celulares e dotados chip para recepção do sinais da TV digital aberta. Com a sua divulgação, o custo unitário de tais aparelhos vai cairMais realidades da TV digitalEm âmbito urbano, a cobertura da TV digital aberta será perfeita. Em muitos casos, os apartamentos em condomínios terão que recorrer a um sistema de recepção digital com antenas coletivas. A cultura da TV aberta analógica tem sido a de receber sinais na faixa de VHF, na qual antenas internas mais ou menos improvisadas funcionam bem.A cidade do Rio de Janeiro possui uma topografia mais difícil do que a de São Paulo e que dificulta a propagação de sinais rádio. A cobertura total para a televisão digital no Rio está prevista para o início de 2011, com estações repetidoras no Sumaré, Igreja da Pena, Jardim Oceânico e Morro do Mendanha. Hoje, já há "caixinhas conversoras" custando pouco mais de R$ 200 para receber o sinal da TV digital e "traduzi-lo" para um televisor analógico. Com elas, o espectador se beneficia da robustez da transmissão digital até o conversor. Estima-se em 20 milhões (fonte: Cetic.br) o número de domicílios dotados de parabólicas que captam sinais de televisão, via satélite, por esse imenso Brasil."O modelo de negócios da TV aberta digital acompanhará o da TV analógica. Ou seja, é uma difusão de conteúdo de um para ‘n’, suportado pela publicidade", resumiu Fernando Bittencourt. Em termos técnicos, a TV digital com faixa de 6 MHz tem capacidade para veicular até 20 Mbit/s, a serem utilizados para imagem, som e dados. Já se pensa até em criar um site complementar para games, com base em programas populares na televisão, como o Big Brother.Quanto à qualidade da IPTV, ou seja, da televisão (TV) que chega ao usuário via IP (Internet Protocol), ela precisará ainda ser testada sob o fogo de uma demanda pesada", finalizou o palestrante. (JCF)Site: TeleBrasilData: 03/07/2009Hora: ------Seção: ArtigosAutor:João Carlos FonsecaLink: http://www.telebrasil.org.br/artigos/artigos.asp